– Uma festa em família. Holmes, vou tomar um gole do seu frasco. Bem, acho que devemos nos felicitar uns aos outros. É uma pena não termos apanhado o outro vivo, mas não tivemos escolha. Confesse, Holmes, que foi duro. Mas não se podia fazer mais.
– Tudo está bem quando acaba bem – disse Holmes. – Mas eu não sabia que a Aurora corria tanto.
– Smith diz que é uma das lanchas mais rápidas do rio e que se ele tivesse outro homem para ajudá-lo, jamais o pegaríamos. Ele jura que não sabia nada do negócio de Norwood.
– Não sabia mesmo. Nem uma palavra – exclamou nosso prisioneiro. – Escolhi a lancha dele porque soube que era rápida. Não lhe dissemos nada, pagamos bem e ele ia receber uma bela quantia se tivéssemos chegado ao Esmeralda em Gravesend, que vai para o Brasil.
– Se ele não procedeu mal, nada de mal acontecerá com ele. Embora sejamos rápidos na captura de quem procuramos, não temos a mesma rapidez em condená-los.
Era divertido notar como o vaidoso Jones já começava a assumir ares de importância na captura. Pelo ligeiro sorriso que brincava nos lábios de Sherlock, via-se que o discurso não fora desperdiçado.
– Nós vamos primeiro a Vauxhall Bridge – disse Jones –, onde o dr. Watson desembarcará com o cofre. Eu não preciso dizer-lhe que assumo uma grande responsabilidade consentindo nisto. É extremamente irregular, mas trato é trato. Mas sou obrigado, por força do dever, a mandar um inspetor para acompanhá-lo, já que está com uma carga tão valiosa. É uma pena que não tenhamos a chave para fazermos primeiro o inventário. Teremos de arrombá-lo. Onde está a chave, homem?
– No fundo do rio – disse Small secamente.
– Não precisava nos dar este trabalho desnecessário. Você já nos deu trabalho suficiente. Não preciso recomendar-lhe o máximo de cuidado, doutor. Volte a Baker Street com o cofre. Você nos encontrará lá, a caminho da delegacia.
Deixaram-me em Vauxhall com o pesado cofre, acompanhado por um agente mal-humorado e maleducado. Um quarto de hora depois eu estava na casa da sra. Cecil Forrester. A criada pareceu surpresa com uma visita tão tarde. A sra. Forrester tinha saído e ainda não voltara. Mas a srta. Morstan estava na sala; então fui até a sala com o cofre nos braços, deixando o prestativo inspetor no cabriolé. A srta. Morstan estava sentada perto da janela aberta, com um vestido branco de um tecido diáfano, levíssimo, com um leve toque de vermelho no pescoço e na cintura.
A luz suave de um abajur iluminava a moça recostada numa cadeira de palha, brincando no seu rosto grave e doce, e dando um brilho metálico dos cachos de sua farta cabeleira.
Um braço alvo pendia ao lado da cadeira, e a sua postura mostrava a melancolia que a envolvia. Mas ao ouvir os meus passos, levantou-se rapidamente, corando de surpresa e prazer.
– Ouvi um cabriolé chegar e parar, mas pensei que fosse a sra. Forrester que tivesse voltado mais cedo. Nem sonhava que pudesse ser o senhor. Que notícias me trouxe?
– Trouxe mais do que notícias – eu disse, pousando a caixa sobre a mesa e falando num tom exuberante e jovial, embora meu coração estivesse pesado.
– Trouxe-lhe uma coisa que vale todas as notícias do mundo. Trouxe-lhe uma fortuna!
– Então é este o cofre? – ela perguntou friamente, olhando a caixa de ferro.
– É... este é o grande tesouro de Agra. Metade pertence a você e a outra metade a Tadeu Sholto. Terão alguns milhares cada um. Pense nisto. Uma renda anual de 10 mil libras. Deve haver poucas moças mais ricas na Inglaterra. Não é glorioso?
Acho que exagerei o meu entusiasmo, e que ela percebeu um tom pouco sincero nas minhas congratulações, porque ela ergueu as sobrancelhas e olhoume com curiosidade.
– Se tenho isso tudo, devo a você.
– Não, a mim não, ao meu amigo Sherlock Holmes. Ainda que tivesse toda a vontade do mundo, eu jamais conseguiria descobrir uma pista que pôs à prova até o gênio analítico dele. Apesar disso, quase o perdíamos no último momento.
– Peço-lhe que se sente e me conte como tudo aconteceu, dr. Watson – ela disse.
Fiz um resumo do que tinha acontecido desde o nosso último encontro: o novo método de Holmes para encontrar a Aurora e o êxito; o aparecimento de Athelney Jones, a nossa expedição à tarde e a caçada feroz pelo Tâmisa. Ela ouviu o relato das nossas aventuras com os lábios entreabertos e os olhos cintilantes. Quando falei do dardo que por um triz não nos atingira, ela ficou tão pálida que temi que desmaiasse.
– Não é nada – disse ela quando eu quis ir buscar água para borrifar-lhe o rosto. – Já estou bem. Foi um choque saber do perigo que correram por minha causa!
– Está tudo acabado, não foi nada. Não lhe contarei mais detalhes tenebrosos. Vamos falar agora de coisas mais alegres. Aqui está o tesouro. Tive licença para trazê-lo, pensando que gostaria de ser a primeira a vê-lo.
– Seria do maior interesse para mim – ela disse. Mas não havia ansiedade na sua voz. Ela compreen-
deu que seria indelicado de sua parte não demonstrar interesse por um prêmio que custara tanto para ser conquistado.
– Que cofre bonito – disse, examinando-o. – É um trabalho indiano?
– É trabalho em metal feito em Benares.
– E como é pesado! – exclamou, tentando levantálo. – Só a caixa deve valer muito. Onde está a chave?
– Small atirou-a no Tâmisa – eu respondi. – Dê-me o atiçador do fogão.
Na frente da caixa havia uma imagem de Buda sentado. Enfiei por baixo da figura a ponta do ferro e levantei a tampa. A fechadura partiu-se com um estrondo. Com as mãos tremendo, ergui a tampa. Ficamos atônitos. O cofre estava vazio!
Não admirava que fosse pesado. O trabalho de ferro tinha quase dois centímetros de espessura em toda a volta. Era maciço, bem-feito e sólido; um cofre feito para carregar objetos de grande valor. Mas não havia nenhum sinal de jóias dentro; estava completamente vazio.
– O tesouro está perdido – disse a srta. Morstan calmamente.
Quando ouvi estas palavras e compreendi o que elas significavam, tive a impressão de que uma grande sombra se afastava da minha alma. Eu não sabia o mal que este tesouro me fizera até este momento, quando finalmente eu me livrava deste peso. Não há dúvida de que era egoísta, desleal, errado; mas a única coisa que eu percebia agora era que aquela barreira de ouro não estava mais entre nós.
– Graças a Deus! – suspirei do fundo da alma.
Ela me olhou com um sorriso repentino e inquiridor:
– Por que diz isso?
– Porque agora você está ao meu alcance novamente – eu disse, segurando-lhe a mão. Ela não a retirou. – Porque a amo, Mary, tão sinceramente quanto se pode amar uma mulher. Porque este tesouro, estas riquezas fechavam meus lábios. Agora que se foram, posso dizer quanto a amo! Por isso eu disse “Graças a Deus”.
– Então, eu também direi graças a Deus – ela murmurou quando a puxei para perto de mim.
Alguém pode ter perdido um tesouro, mas o que sabia é que eu ganhara um naquela noite.
Capítulo 12
a estranha narrativa de jonathan
O inspetor que ficou esperando era muito paciente, porque me demorei um tempo infinito.
Seu rosto tornou-se sombrio quando eu lhe mostrei que o cofre estava vazio.
– Lá se vai a recompensa – disse ele com tristeza. – Quando não há dinheiro, não há pagamento. Esta noite de trabalho valeria uma nota de 10 libras para mim e para Sam Brown, se o tesouro fosse encontrado.