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– Um relato notável – disse Holmes. – Uma conclusão conveniente para um caso extremamente interessante. Não há nada novo para mim na última parte da sua narrativa, a não ser o fato de que trouxe sua própria corda. Não sabia disto. A propósito, eu esperava que Tonga tivesse perdido todos os dardos, mas ele conseguiu atirar um contra nós no barco.

– Ele perdeu todos, realmente. O único que restou foi o que estava na zarabatana.

– Ah, claro. Não tinha pensado nisso – disse Holmes.

O degredado perguntou gentilmente a Holmes se não queria interrogá-lo sobre algum outro detalhe.

– Obrigado, acho que não – respondeu o meu companheiro.

– Bem, Holmes – disse Athelney Jones –, você é um homem que merece condescendência. Todos nós sabemos que você é um grande conhecedor do crime; mas dever é dever, e eu já fui longe demais fazendo o que você e o seu amigo me pediram. Eu me sentirei mais tranqüilo quando o nosso contador de histórias estiver trancafiado. O cabriolé está esperando e dois agentes lá embaixo. Agradeço-lhes muito a ajuda. Naturalmente, serão necessários no julgamento. Boa-noite.

– Boa noite, cavalheiros – disse Small.

– Passe na frente, Small – ordenou Jones quando saíram. – Tomarei cuidado para que você não me bata com a sua perna-de-pau como fez com o amigo das ilhas Andamã...

– Aí está o fim do nosso pequeno drama – observei depois de fumar durante algum tempo em silêncio.

– Receio que seja a última oportunidade de estudar de maneira prática os seus métodos. A srta. Morstan concedeu-me a honra de me aceitar como futuro marido.

Ele rosnou, sombrio:

– Eu também já receava isso – mas não posso felicitá-lo.

Fiquei um tanto magoado e perguntei:

– Tem algum motivo para não gostar da minha escolha?

– Não tenho nenhum. Acho que ela é uma das moças mais encantadoras que conheci e que foi muito útil nesta questão. Teve uma intuição decisiva, e a prova disso foi o cuidado com que conservou a planta de Agra e a separou dos outros papéis do pai. Mas o amor é uma coisa emocional, e tudo que é emocional opõe-se à fria razão, que eu coloco acima de tudo. Eu não me casarei nunca, a menos que perca a razão.

– Acredito – eu disse rindo – que a minha razão sobreviverá à prova. Você parece cansado.

– E estou. É a reação a essa tensão. Vou ficar mole como um trapo durante uma semana.

– É extraordinário como aquilo que em outro homem eu chamaria de preguiça pode se alternar com seus acessos de esplêndida energia e vigor.

– É verdade – ele respondeu. – Tenho tendências de um refinado vadio e também as de um sujeito ativíssimo. Eu penso com freqüência nesses versos de Goethe:

Schade dass die Natur nur einen Mensch aus dir schuf, Denn zum würdigen Mann war und zum Schelmen der Stoff.{6} 

– Aliás, a propósito desse caso de Norwood, você viu que eles tinham um aliado dentro de casa, que só podia ser Lal Rao, o copeiro, de modo que Jones realmente teve a honra exclusiva de apanhar um peixe na sua rede.

– A divisão não me parece justa. Foi você que fez o trabalho todo. Eu arranjei nele uma esposa; Jones fica com o mérito. O que sobra para você, Sherlock?

– Para mim fica a garrafa de cocaína que está ali – disse ele, estendendo sua comprida mão branca para apanhá-la.

*

FIM

{1} (“Criado”, em hindi. (N. do T.) 

{2} (“O mau gosto leva ao crime.” (N. do T.) 

{3} (“Não há tolos mais incômodos do que os que têm espírito.” (N. do T.)

{4} (“É comum vermos os homens zombarem do que não podem compreender.” (N. do T.)

{5} (Johann Paul Friedrich Richter, dito Jean-Paul, escritor alemão (1763-1825), alia a sensibilidade ao humor e à ironia. (N. do T.) 

{6} (“Pena que a natureza fizesse de ti um só indivíduo, / porque havia matéria para um homem digno e para um patife.” (N. do T.)

As Aventuras de Sherlock Holmes

Escândalo na boêmia

Parte Única

Para Sherlock Holmes, ela é sempre a mulher. Poucas vezes ouvi-o mencioná-la sob qualquer outro nome. A seus olhos ela ofusca e predomina sobre todo seu sexo. Não é que ele sentisse uma emoção assim como amor por Irene Adler. Todas as emoções, e essa em particular, eram abomináveis à sua mente fria e precisa, embora admiravelmente equilibrada. Ele era, em minha opinião, a máquina mais perfeita de raciocínio e observação que o mundo jamais viu - mas, como amante, ter-se-ia colocado em posição falsa. Nunca se referia às paixões sem zombar e escarnecer delas. Eram admiráveis para o observador, excelentes para arrancar o véu que encobre as motivações e as ações dos homens. Mas para um raciocinador treinado admitir essa intrusões em seu temperamento delicado e precisamente ajustado seria o mesmo que introduzir um fator perturbador que poderia pôr em dúvida todas as suas conclusões racionais. Areia em um instrumento sensível, ou uma racha em uma de suas poderosas lentes, não seria maior distúrbio que uma emoção forte em uma natureza como a sua. No entanto, só havia uma mulher para ele, e essa mulher era a ex-Irene Adler, uma recordação meio duvidosa e suspeita.

Vira Holmes muito pouco ultimamente. Meu casamento nos separara. Minha felicidade tão completa e meu interesse todo concentrado no lar, o que sucede com o homem que pela primeira vez se vê senhor de sua própria casa, eram suficientes para ocupar toda minha atenção; enquanto que Holmes, que detestava qualquer forma de sociedade com toda a força de sua alma boêmia, continuava em nossos aposentos na Baker Street, afundado em velhos livros, passando alternadamente, de semana em semana, da cocaína à ambição, da sonolência da droga à feroz energia de sua intensa natureza. Como sempre, ainda se sentia profundamente atraído pelo estudo do crime e ocupava suas vastas faculdades mentais e extraordinários poderes de observação em seguir os indícios e elucidar os mistérios que haviam sido dados por insolúveis pela polícia oficial. De quando em quando ouvia alguma coisa sobre suas aventuras: fora chamado a Odessa com relação ao assassinato de Trepoff, esclarecera a singular tragédia dos irmãos Atkinson em Trincomalee e finalmente desempenhara com sucesso uma delicada missão para a família real da Holanda. Fora esses sinais de atividade que eu simplesmente compartilhava com todos os leitores da imprensa diária, pouco sabia de meu ex-amigo e companheiro.

Uma noite - foi no dia 2 de março de 1888 - voltava de uma visita a um doente (pois voltara a praticar medicina) e meu caminho me levou à Baker Street. Ao passar em frente à porta tão familiar, que mentalmente sempre associo a meu namoro e aos sombrios acontecimentos do Estudo Vermelho, senti forte desejo de ver Holmes novamente e saber como estava utilizando seus extraordinários poderes. Seus aposentos estavam brilhantemente iluminados e, ao olhar para cima, vi sua figura alta e magra passar duas vezes, uma silhueta escura contra a cortina. Andava de um lado para o outro, rápido e impaciente, o queixo afundado no peito e as mãos cruzadas nas costas. Para mim, que conhecia todos os seus estados de espírito e todos os seus hábitos, essa atitude revelava tudo. Estava trabalhando novamente. Emergira dos sonhos criados pela droga e estava seguindo entusiasticamente a pista de algum novo mistério. Toquei a campainha e fui levado à sala que fora antigamente em parte minha também.