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Isto era, de certo modo, a favor do acusado pois, quando o viram discutir, estava face a face com o pai. Mas esta prova não adiantaria grande coisa, já que a vítima podia ter-se virado de costas antes de ter sido atingida. Contudo, era capaz de valer a pena chamar a atenção de Holmes para o fato.

Depois, haveria a referência estranha ao rato. O que poderia significar? Não podia ter sido em delírio. Um homem que morre dum golpe súbito, habitualmente, não delira. Não! É mais provável que fosse uma tentativa de explicar como encontrou a morte. Mas o que poderia aquilo indicar?

Dei volta aos miolos para encontrar uma explicação plausível. Havia ainda o incidente da peça de roupa cinzenta vista pelo jovem McCarthy. Se fosse verdade, o assassino devia ter deixado cair parte da sua roupa a fugir, provavelmente o seu casaco, e teve a audácia de voltar atrás e levá-lo, no instante em que o filho se ajoelhara virado de costas, a doze passos de distância. Tudo isto é um emaranhado de mistérios e improbabilidades.

Não considerei a opinião de Lestrade pois ainda tinha fé em Sherlock Holmes que não perdia a esperança até porque cada novo fato parecia reforçar a sua convicção sobre a inocência do jovem McCarthy.

Sherlock Holmes voltou tarde. Veio só, pois Lestrade ficara hospedado na cidade.

"A temperatura ainda está elevada" - notou ele ao sentar-se. - "É muito importante que não chova antes de verificarmos o terreno. Por outro lado, um homem deve estar no seu melhor para um trabalho tão interessante como este, e não quero fazê-lo depois duma viagem longa e cansativa. Vi o jovem McCarthy."

"E que soube por ele?"

"Nada."

"Não esclareceu nada?"

"Nada de nada. Cheguei a pensar que ele sabia quem era o assassino e quem o estava a proteger, mas agora acho que está tão baralhado como nós. Não é um rapaz muito inteligente apesar do seu agradável olhar e de ter bom coração."

"Não deve ter muito bons gostos" - frisei eu - "se realmente for verdade que era adverso ao casamento com uma pessoa tão encantadora como é a menina Turner."

“Ah, aí há uma história muito dolorosa”. Esse rapaz é loucamente, doentiamente apaixonado por ela, mas há dois anos, quando não passava dum rapazinho, e mesmo antes de a conhecer - pois ela estivera afastada durante 5 anos numa escola

particular - o idiota agradou-se duma criada de bar, em Bristol, e casou-se com ela pelo registro!

Ninguém sabe nada do assunto, mas pode imaginar a loucura que deve ser para ele ser repreendido por fazer não o que adoraria fazer mas o que sabe que lhe é absolutamente impossível. Foi este furor que o fez erguer as mãos quando o pai, no seu último encontro o tentou impelir a fazer uma proposta à menina Turner.

Por outro lado, não tinha meios para se sustentar a si próprio e o pai, que era um homem muito duro, pô-lo-ia fora de casa se soubesse a verdade. Foi com a sua mulher que passou os últimos três dias em Bristol sem o pai saber onde ele estava.

Note bem isto. É muito importante. Contudo, há males que vêm por bem pois a criada, sabendo pelos jornais que ele estava metido em sarilhos e na iminência de ser enforcado, quis livrar-se dele e escreveu-lhe dizendo que já tinha um marido em Bermuda Dockyard e que por isso não havia qualquer relação entre ambos. “Acho que esta notícia confortou o jovem McCarthy de tudo o que sofreu.”

"Mas, se está inocente, quem é o assassino?"

"Ah! Quem? Chamo a sua atenção para dois pontos em particular. Um é que o falecido tinha um encontro marcado com alguém, na piscina, e que esse alguém não podia ser o filho porque estava ausente e o pai não sabia quando é que ele regressava. O segundo ponto é o fato de terem ouvido o falecido gritar “Cooee”!" sem saber que o filho voltara. Estes são os pontos cruciais dos quais depende este caso. E agora, vamos falar do George Meredith, se faz favor, e deixaremos os pontos menos importantes para amanhã."

Não chovia como Holmes previra e, a manhã despertou radiosa e sem nuvens. Às nove horas Lestrade mandou vir a carruagem e fomos à quinta Hatherley e à piscina de Boscombe.

"Há notícias muito importantes esta manhã" – observou Lestrade.

"Diz-se que o Sr. Turner, do Concelho, está tão doente que não lhe dão muitos dias de vida."

"Um homem idoso, presumo!" - disse Holmes.

"Cerca de 60 anos; mas a sua constituição debilitou-se devido à sua vida no estrangeiro e tem estado adoentado desde há algum tempo. Este assunto afetou-o bastante. Era um velho amigo de McCarthy e, devo acrescentar, seu benfeitor, pois soube que lhe arrendou a quinta Hatherley de graça."

"É verdade! Que interessante!" - disse Holmes.

"Oh, claro! Ajudou-o de muitas maneiras. Toda a gente fala da sua bondade para com ele."

"É mesmo! Não acha estranho que o Sr. McCarthy, que parece ter poucas posses, e que devia tantas obrigações a Turner ainda fale em casar o seu filho com a filha de Turner, que é, provavelmente, herdeira da propriedade e ainda por cima de um modo tão certo, como se tratasse duma mera proposta que daria origem a tudo o resto? Ainda se torna mais estranho, sabendo nós que o próprio Turner é contrário à idéia. Foi isso que nos disse a filha. Não deduz nada, daí?"

"Já chegamos à dedução e às inferências" - disse Lestrade piscando os olhos.

"Acho muito difícil encarar os fatos sem procurar teorias e idéias."

"Tem razão" - disse Holmes gravemente. "terá muita dificuldade em perceber os fatos."

"De qualquer modo alcancei um fato que o senhor parece ter dificuldade em sustentar" - respondeu Lestrade com vivacidade.

"E qual é?"

"O fato de McCarthy sênior ter sido morto por McCarthy júnior e todas as teorias em contrário não passarem de balelas."

"Bem, as balelas às vezes dão os seus frutos" - disse Holmes rindo. - "Mas ou me engano muito ou ali à esquerda tem a quinta Hatherley."

"Sim, é verdade". Era um edifício-grande, agradável à vista, com dois andares, telhado de lousa, com grandes manchas amarelas de líquenes nas paredes cinzentas. Contudo, as persianas desenhadas e as chaminés sem fumo, conferiam um aspecto de debilidade, apesar do peso do terror ainda pairar sobre ele. Batemos à porta e a criada, a pedido de Holmes, mostrou-nos as botas que o patrão calçava no momento da sua morte e também as do filho, apesar de não ser o par que na altura ele usava. Tendo considerado bem tudo isto, a partir de sete ou oito pontos diferentes, Holmes quis ir ao pátio, donde nos conduziu ao caminho sinuoso que conduzia à piscina de Boscombe. Sherlock Holmes transformava-se quando estava na pista de alguma coisa. Quem conhecesse apenas o pensador silencioso e o lógico de Baker Street não o reconheceria agora. O seu rosto corava e escurecia.

As sobrancelhas eram duas espessas linhas pretas, enquanto os olhos brilhavam por baixo delas com um brilho metálico. O seu rosto estava inclinado para baixo, os ombros arqueados, os lábios comprimidos e as veias salientavam-se como o cordel dum chicote no seu pescoço comprido e vigoroso. As narinas pareciam dilatar com apetite puramente animal de quem fareja caça e o seu pensamento estava tão concentrado na investigação que qualquer pergunta ou achega não obtinha resposta ou, se obtinha, não passava dum rápido e impaciente rosnar. Vagarosa e silenciosamente andou pelos caminhos que atravessavam prados e bosques até à piscina de Boscombe. O solo estava úmido e pantanoso, como o de todo o distrito, e havia muitas marcas de pés tanto no carreiro como entre a erva curta que despontava lateralmente. Às vezes, Holmes apressava-se, outras vezes, detinha-se, imóvel e, uma vez, deu uma volta silenciosa ao prado. Eu e Lestrade íamos atrás dele; o detetive, indiferente e desdenhoso; eu, porém, olhava para o meu amigo com o interesse motivado pela convicção de que todas as suas ações se dirigiam ao fim em vista.

A piscina de Boscombe, que é um pequeno lençol de água ladeado de canas, está situada no limite da quinta Hatherley e do parque privado do abastado Sr. Turner.