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Os olhos do homenzinho brilhavam enquanto ele falava, e - era evidente - estava exultante por ter marcado um ponto contra seu colega.

- Venham cá! - chamou, voltando para a sala cuja atmosfera parecia, agora, mais leve, devido à remoção de seu tétrico inquilino. - Fiquem aqui!

Riscou um fósforo na bota e ergueu-o até a parede.

- Vejam isto! - disse, triunfante.

Já mencionei que o papel de parede havia se rompido em tiras. Nesse canto da sala, uma tira grande se desprendera, deixando exposto um quadrado amarelado de áspero reboco. Nesse espaço descoberto, estava rabiscado, em letras de sangue, uma única palavra: rache.

- Que acha disso? - perguntou o detetive, com ares de artista exibindo seu espetáculo. - Ninguém viu porque estava no canto mais escuro da sala e não se pensou em examinar aqui. O assassino ou a assassina escreveu isto com seu próprio sangue. Vejam a mancha que escorreu pela parede. Isto, de certa forma, afasta a idéia de suicídio. Por que terá escolhido este canto? Eu explico a vocês. Observem aquela vela sobre a lareira. Estava acesa na hora e, portanto, este canto era o mais iluminado, em lugar de ser, como agora, o mais escuro da parede.

- E o que significam essas letras que você descobriu? - perguntou Gregson com desdém.

- O que significam? Ora, que a pessoa ia escrever o nome feminino Rachel, mas que foi interrompida, antes que pudesse terminá-lo. Guardem minhas palavras: quando este caso começar a ser esclarecido, descobrirão que uma mulher de nome Rachel tem algo a ver com ele. Pode rir, Sr. Sherlock Holmes. O senhor é muito esperto e inteligente, mas verá, quando tudo tiver terminado, que o velho cão de caça é o melhor.

- Sinceramente, desculpe! - disse meu companheiro, que o havia irritado com um acesso de riso.

- Sem dúvida, você tem o crédito de ser o primeiro de nós a descobrir esse indício. E, como disse, tudo indica que se trata de algo escrito pelo outro participante do mistério da noite passada. Ainda não tive tempo para examinar a sala, mas, com sua licença, vou fazê-lo agora.

Enquanto falava, tirou do bolso uma fita métrica e uma grande lente de aumento redonda. Munido desses dois instrumentos, pôs-se a caminhar pela sala, rápido, mas silencioso. Às vezes, parava; outras, ficava de joelhos e, em uma ocasião, estirou-se de bruços no chão. Tão envolvido estava nessa ocupação, que parecia ter esquecido de nossa presença, pois falava consigo mesmo, o tempo todo, soltando exclamações, resmungos, gritos e assobios de estímulo e coragem.

Observando-o, era inevitável a comparação com um cão de caça puro-sangue bem treinado, correndo de um lado para outro atrás da presa e ganindo de ansiedade pelo momento em que iria farejá-la. Por vinte minutos ou mais, ele continuou em suas buscas, aferindo meticulosamente distâncias entre marcas invisíveis para mim e, uma vez ou outra, medindo a parede com a fita métrica num procedimento que me era incompreensível. A certa altura, colheu do assoalho, com todo o cuidado, um montinho de pó acinzentado, guardando-o em um envelope. Por fim, examinou com a lente a palavra grafada na parede, analisando cada letra da forma mais detida. Feito isso, pareceu satisfeito, porque guardou a lente e a fita métrica no bolso.

- Dizem que gênio é quem tem uma capacidade infinita para o trabalho - Holmes comentou com um sorriso. - Essa é uma definição muito ruim, mas se aplica no caso do trabalho de detetive.

Gregson e Lestrade haviam observado as manobras de seu companheiro amador com muita curiosidade e com um certo desprezo. Era evidente que eles não conseguiam perceber algo que eu começara a descobrir: as ações mais insignificantes de Sherlock Holmes eram totalmente dirigidas a um fim prático e definido.

- O que acha de tudo isso? - perguntaram.

- Eu estaria roubando-lhes o crédito do caso, se pretendesse ajudá-los - comentou meu amigo. - Vocês estão se saindo tão bem que a interferência de um terceiro seria lamentável. - Havia toneladas de sarcasmo em sua voz. - Se vocês me mantiverem informado do andamento de suas investigações – prosseguiu -, terei prazer em ajudá-los no que puder. Enquanto isso, gostaria de falar com o policial que encontrou o corpo. Poderiam me dar o nome e o endereço dele?

Lestrade consultou seu caderno de notas.

- John Rance - disse. - Está de folga, mas poderá encontrá-lo em Audley Court, 46, Kennington Park Gate.

Holmes anotou o endereço.

- Venha, doutor - disse, dirigindo-se a mim. - Vamos visitá-lo.

Em seguida, voltou-se para os detetives.

- Vou dizer-lhes algo que poderá ajudá-los no caso. Houve um homicídio e o assassino era homem. Tem mais de um metro e oitenta de altura, é jovem, seus pés são pequenos para seu porte, usa botas grosseiras de bico quadrado e fumou um charuto Trichinopoly.

Chegou aqui com a vítima num carro de quatro rodas puxado por um cavalo com três ferraduras velhas e uma nova na pata dianteira. É bastante provável que o assassino tenha o rosto corado e que suas unhas da mão direita sejam bastante longas. São apenas alguns detalhes, mas podem ajudar.

Lestrade e Gregson entreolharam-se com um sorriso de incredulidade.

- Se esse homem foi assassinado, como foi feito? - perguntou o primeiro.

- Veneno - disse Sherlock Holmes de forma lacônica. - Outra coisa, Lestrade - acrescentou, virando-se da porta. - Rache é vingança em alemão. Portanto não perca tempo atrás de nenhuma Rachel.

Depois desse. lance definitivo, afastou-se, deixando atrás de si, boquiabertos, os dois rivais.

Capítulo 4

O QUE JOHN RANCE TINHA A DIZER

Era uma hora quando saímos da casa número três de Lauriston Gardens. Acompanhei Sherlock Holmes ao posto de telégrafo mais próximo, de onde ele expediu um longo telegrama. Depois disso, chamou um carro e ordenou ao cocheiro que nos levasse ao endereço fornecido por Lestrade.

- Nada melhor que um indício colhido na fonte - observou. - Na realidade, já tenho opinião formada sobre o caso, mas ainda podemos saber mais sobre ele.

- Você me espanta, Holmes. É claro que não está tão seguro quanto aparenta a respeito de todos os detalhes a que se referiu.

- Não há margem para erro - respondeu. – A primeira coisa que observei, quando lá cheguei, foi que as rodas de um carro haviam feito dois sulcos perto do meio-fio. Não chovera por uma semana antes da noite passada, portanto, se as rodas deixaram marcas tão profundas, isso só poderia ter acontecido durante a noite. Além disso, percebi as marcas dos cascos. O contorno de um deles estava bem mais marcado que o dos outros três, indicando que uma das ferraduras era nova. Uma vez que o carro esteve lá depois que começou a chover, e nenhum carro parou por ali durante a manhã, conforme afirmou Gregson, conclui-se que as marcas foram feitas durante a noite e, por conseguinte, são do carro que trouxe os dois indivíduos para a casa.

- Até aí parece simples - comentei -, mas e a dedução a respeito da altura do homem?

- Ora, de nove em cada dez casos, a altura de um homem pode ser aferida pela extensão de seus passos. É um cálculo simples, mas não vou aborrecê-lo com a demonstração. Eu tinha suas pegadas no barro, lá fora, e na poeira que havia dentro da casa. Além disso, eu podia testar meu cálculo de outra maneira. Quando alguém escreve na parede, o faz, instintivamente, à altura dos olhos. Ora, a palavra foi grafada a cerca de um metro e oitenta do chão. Foi brincadeira de criança.

- Mas, e a idade? - perguntei.

- Bem, se um homem pode dar passadas de um metro e vinte sem grande esforço, está em pleno apogeu da forma física. Essa era a largura de um charco no jardim que ele evidentemente atravessou numa passada. As botas finas de couro o contornaram, e os bicos quadrados o saltaram. Não há nenhum mistério nisso. Tudo que estou fazendo é aplicar na vida real os preceitos de observação e dedução de que falava no artigo. Algo mais intriga você?