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Matei-o com menos escrúpulos do que se ele fosse o animal mais revoltante e venenoso. O seu grito fez com que o filho aparecesse, mas consegui esconder-me no bosque, apesar de ter de voltar para apanhar o capote que deixara cair, ao fugir.

“Esta é a história verdadeira, senhor, tal e qual como se passou.”

"Bem, não sou eu que o vou julgar." - disse Holmes, quando o velho assinou as suas declarações. - "Espero que nunca estejamos expostos a tal tentação."

"Espero bem que não, senhor. O que pretende fazer?"

"Tendo em conta a sua saúde, nada. Já sabe que, em breve, terá de responder pelas suas ações, perante Deus. Vou guardar a sua confissão e, se McCarthy for condenado, serei forçado a usá-la. Se não, nunca será vista por qualquer mortal; e o seu segredo, quer vivo, quer morto, ficará salvo conosco."

"Então adeus" - disse o velho solenemente. - "Quando o leito da vossa morte chegar, será mais fácil de suportar pela paz que me deram."

Titubeando e tremendo imenso, saiu vagarosamente do quarto.

"Deus nos ajude!" - disse Holmes, depois dum longo silêncio.

- Porque é que o destino prega partidas aos vermes mais desprotegidos?

Nunca ouço casos semelhantes sem pensar nas palavras de Baxter e dizer:

"Ali, pela graça de Deus, vai Sherlock Holmes."

James McCarthy foi levado a Tribunal por força dum certo número de objeções levantadas por Holmes e submetido ao conselho de defesa. O velho Turner viveu por mais sete meses, mas já morreu; e há todas as indicações de que o filho e a filha de ambos venham a viver juntos e felizes ignorando a nuvem negra que repousa no passado dos pais.

**Fim**

as cinco sementes de laranja

Quando consulto minhas notas e recordações dos casos de Sherlock Holmes entre os anos 1882 e 1890, encontro tantos que se apresentam como estranhos e interessantes que não é fácil saber qual deles escolher ou qual deixar de lado. Alguns, entretanto, alcançaram publicidade através dos jornais, ao passo que outros não oferecem campo apropriado para salientar aquelas qualidades peculiares que meu amigo possuía em tão alto grau e cuja demonstração é o objetivo destas páginas. Alguns também frustraram seu raciocínio analítico, e seriam uma espécie de narrativa com começo, mas sem fim, enquanto outros foram apenas parcialmente esclarecidos com explicações, mas baseiam-se mais em conjecturas do que em provas absolutamente lógicas, como era tanto do seu gosto. Há, todavia, um desses últimos casos que se apresentou tão estranho nos seus pormenores e tão surpreendente nos seus resultados, que sou tentado a relatá-lo, a despeito de haver alguns pontos, relacionados com ele, que nunca foram e provavelmente nunca serão esclarecidos.

O ano de 1887 trouxe-nos uma longa série de casos de maior ou menor interesse, dos quais tenho os pormenores. Entre os cabeçalhos desse ano, encontro a história da aventura Paradol Chamber e da Sociedade dos Mendicantes Amadores, que possuía um clube luxuoso no porão de um depósito de móveis; os fatos referentes à perda do barco britânico Sophy Anderson; as aventuras singulares do Grice Patersons na ilha de Uffa, e, finalmente, o caso de envenenamento em Camberwell. Neste último, como devem estar lembrados, Holmes conseguiu, ao dar corda ao relógio do defunto, provar que a corda já havia sido dada umas duas horas antes e que, portanto, fora àquela hora que o falecido se deitara - dedução que era da maior importância para o esclarecimento do caso. De todos estes, hei de fazer um resumo qualquer dia; porém, nenhum deles apresenta feições tão singulares como a corrente de estranhas circunstâncias que agora me proponho descrever.

Em fins de setembro as tempestades equinociais haviam começado com violência excepcional. O vento zumbia o dia todo e a chuva tanto batia nas janelas que, mesmo aqui, no coração desta grande cidade de Londres, éramos forçados a afastar nossos pensamentos da rotina cotidiana e reconhecer a presença das grandes forças da natureza que atemorizam os homens, apesar de toda a sua civilização, como animais selvagens dentro de uma jaula. À medida que a tarde avançava, a tempestade aumentava mais e mais, e o vento gritava como uma criança na chaminé. Sherlock Holmes estava sentado tristemente ao lado da lareira, revendo suas anotações sobre crimes, enquanto eu, do outro lado, lia com interesse uma das velhas histórias marítimas de Clark Russell, a ponto de o grito da tempestade lá fora se confundir com a leitura e o barulho da chuva na janela se assemelhar ao clamor das ondas do mar. Minha mulher fora visitar uma tia, e durante alguns dias eu voltara a instalar-me nos meus aposentos da Baker Street.

- Ouça - disse eu, olhando para o meu companheiro -, parece-me que ouvi a campainha! Quem viria numa noite destas? Talvez algum amigo seu?

- Exceto você, não tenho nenhum - respondeu ele.

- Não gosto de visitas.

- Um cliente, então?

- Se for, é um caso sério. Nada faria um homem sair de casa numa noite e numa hora destas. Parece-me mais provável que seja algum amigo da proprietária.

Sherlock Holmes enganava-se nas suas conjecturas, porque ouvimos passos no corredor e uma pancada na nossa porta.

Ele estendeu seu comprido braço para dar volta ao interruptor do candeeiro que estava junto da sua cadeira e fez incidir a luz sobre a cadeira vazia onde deveria sentar-se o recém-chegado.

- Entre - exclamou ele.

O homem que entrou era jovem, de uns vinte e dois anos no máximo, bem-vestido, de aspecto distinto e cavalheiresco. O guarda-chuva molhado que trazia na mão e a capa impermeável provavam a violência da chuva. Olhou em volta ansiosamente e, devido à luz do candeeiro, pude notar que seu rosto estava pálido, os olhos cansados como os de um homem oprimido por grande preocupação.

- Devo pedir-lhes desculpas - lamentou ele, colocando o pincenê de ouro. - Espero não os incomodar; receio ter trazido alguns sinais da tempestade e da chuva para dentro da sua confortável sala.

- Dê-me sua capa e o guarda-chuva - pediu Holmes.

- Podem ficar aqui no bengaleiro para irem secando. Vejo que veio do sudoeste.

- Sim, de Horsham.

- Essa mistura de barro e gipsita que vejo nas pontas dos seus sapatos é muito característica.

- Vim pedir-lhe um conselho.

- É fácil de obter.

- E auxílio.

- O que não é tão fácil.

- Já ouvi falar a seu respeito, Sr. Holmes. Contou-me o major Prendergast como o salvou do escândalo do Tankerville Club.

- Ah, decerto. Fora acusado injustamente de ter roubado no jogo.

- Disse-me que o senhor poderia resolver qualquer problema.

- Ele exagerou.

- E que nunca foi vencido.

- Fui vencido quatro vezes... três vezes por homens, e uma por uma mulher.

- O que é isso em comparação com o número dos seus êxitos?

- É verdade que, geralmente, tenho sido bem sucedido.

- Então que o seja também comigo.

- Peço-lhe que puxe sua cadeira para mais perto da lareira e faça-me o favor de dar alguns pormenores do seu caso.

- Que não é comum.

- Nenhum dos casos que vêm ter comigo o são. Sou sempre o último a que recorrem.

- Em todo caso, duvido que, durante sua longa experiência, tenha ouvido relatar uma série de fatos mais misteriosos e inexplicáveis do que os que ocorreram na minha própria família.

- O senhor deixa-me curioso - disse Holmes. - Dê-nos os fatos essenciais desde o princípio, para que depois eu lhe possa perguntar sobre os pormenores que a mim pareçam de maior importância.

O jovem puxou a cadeira e estendeu os pés para a lareira.

- Meu nome - começou ele - é John Openshaw, mas minha vida, tanto quanto posso avaliar, pouco tem a ver com esses horríveis acontecimentos. É um caso de herança; quero poder dar-lhe uma idéia dos fatos que vou contar desde o início.