Выбрать главу

Por um instante Ryder estremecera e quase caíra, mas o conhaque trouxe o sangue de volta ao seu rosto, ele sentou-se, encarando seu acusador com olhos amedrontados.

– Tenho quase todos os elos da cadeia em minhas mãos, e todas as provas de que preciso, de modo que há muito pouca coisa que você possa me dizer. Entretanto, mesmo esse pouco deve ser esclarecido para completar o caso. Você já ouvira falar, Ryder, dessa pedra azul da condessa de Morcar?

– Foi Catherine Cusack que me falou dela – respondeu com voz rouca.

– Entendo. A criada da condessa. Bem, a tentação de uma grande riqueza adquirida com toda a facilidade foi demais para você, como já foi para homens muito melhores antes de você. Mas você não teve muitos escrúpulos em relação aos meios que usou. Parece-me, Ryder, que você tem tudo para ser um bom vilão. Sabia que esse Horner, o bombeiro, havia sido envolvido em alguma coisa semelhante no passado e que as suspeitas naturalmente recairiam sobre ele. E o que fez, então? Inventou um conserto qualquer nos aposentos da condessa, você e sua cúmplice, Catherine Cusack, e deu um jeito para que ele fosse chamado para fazer o serviço. Então, depois que ele saiu, você roubou a pedra, deu o alarme, e fez com que esse pobre-diabo fosse preso. Depois...

Ryder atirou-se de repente no tapete e agarrou os joelhos de meu companheiro. – Pelo amor de Deus! Tenha dó! – gritou. – Pense em meu pai, em minha mãe! Ia cortar o coração deles! Nunca fiz nada de errado antes. E juro que nunca mais farei uma coisa dessas. Juro sobre a Bíblia. Oh, não leve isso aos tribunais! Por amor de Jesus Cristo, não faça isso!

– Volte para sua cadeira – disse Holmes severamente. – Agora você está de quatro, suplicando caridade, mas nem pensou no pobre do Horner, condenado por  um crime que não cometeu.

– Vou-me embora, sr. Holmes. Sairei do país, senhor. Então a acusação contra ele será retirada.

– Hum! Vamos conversar sobre isso. Mas agora queremos ouvir a história verdadeira do ato seguinte. Como é que a pedra foi parar no ganso e o ganso no mercado? Diga a verdade, pois é a única possibilidade que você tem de escapar.

Ryder passou a língua pelos lábios secos. – Vou contar exatamente o que aconteceu, senhor – disse. – Quando Horner foi preso, pareceu-me que a melhor coisa seria eu sumir com a pedra imediatamente, pois não sabia quando a polícia podia resolver me revistar ou dar uma busca em meu quarto. Não havia lugar nenhum no hotel em que eu pudesse esconder a pedra. Saí como se tivesse sido mandado à rua, e fui até a casa de minha irmã. Ela se casara com um homem chamado Oakshott e morava na Brixton Street, onde engordava aves para o mercado. A caminho da casa dela, todos os homens que encontrei me pareciam ser policiais ou detetives e, embora estivesse fazendo muito frio, o suor escorria pelo meu rosto antes de chegar à Brixton Street. Minha irmã me perguntou o que havia comigo e por que estava tão pálido, mas eu disse que estava muito abalado por causa do roubo no hotel. Então fui até o quintal dos fundos, fumei um cachimbo e pensei no que ia fazer.

– Tive um amigo, uma ocasião, chamado Maudsley, que enveredou pelo mau caminho e cumpriu sentença em Pentonville. Um dia nós nos encontramos e a conversa foi toda sobre ladrões e como eles se livravam das coisas que roubavam. Tinha certeza de que ele seria leal comigo porque eu sabia umas coisas sobre ele, então resolvi ir a Kilburn, onde ele morava, e contar-lhe tudo. Ele me mostraria como converter a pedra em dinheiro. Mas como chegar até lá em segurança? Pensei na angústia que sentira no caminho do hotel até a casa de minha irmã. Podia, a qualquer momento, ser detido e revistado, e lá estaria a pedra no bolso de meu colete. Eu estava encostado no muro nessa hora, olhando os gansos que gingavam ao meu redor e de repente tive uma idéia que me mostrou como eu poderia enganar o detetive mais esperto que existisse.

– Minha irmã dissera algumas semanas antes que eu podia escolher um ganso como presente de Natal e sabia que ela sempre cumpria sua palavra. Então eu ia levar meu ganso agora mesmo e dentro dele eu ia botar minha pedra e levar para Kilburn. Havia um pequeno galpão no quintal e foi para lá que enxotei um dos gansos, um muito bonito, todo branco, com uma lista preta na cauda. Agarrei a ave e, abrindo o bico, enfiei a pedra em sua garganta, o mais fundo possível. O ganso engoliu, e vi a pedra passar pela goela e entrar no papo. Mas a criatura bateu as asas e lutou, e minha irmã veio ver o que estava acontecendo. Quando me virei para falar com ela, o bicho se soltou e se misturou com os outros.

– “O que você estava fazendo com esse ganso, Jem?”, ela perguntou.

– “Bem”, respondi, “você disse que ia me dar um ganso de presente de Natal, e eu estava vendo qual era o mais gordo.”

– “Oh”, ela disse, “já separamos o seu. É aquele branco, grande, que está ali. São 26 ao todo, um para você, um para nós e duas dúzias para o mercado.”

– “Obrigado, Maggie”, eu disse, “mas se não faz diferença para você, prefiro aquele que estava segurando ainda há pouco.”

– “O outro pesa um quilo a mais”, ela insistiu, “e foi engordado especialmente para você.”

– “Não faz mal. Prefiro o outro, o branco com uma lista, e vou levá-lo agora mesmo”.

– “Está bem, faça o que quiser. Então mate a ave e leve.”

– Bem, fiz o que ela disse, sr. Holmes, e carreguei o ganso até Kilburn. Contei ao meu amigo o que tinha feito, pois ele era um homem a quem se podia contar essas coisas. Riu até se engasgar, pegamos uma faca e abrimos o ganso. Meu coração quase parou, pois não havia sinal da pedra e percebi que ocorrera um erro terrível. Larguei o ganso, voltei correndo à casa de minha irmã e fui até o quintal. Não havia nenhum ganso.

– “Onde eles estão, Maggie?” perguntei.

– “Já foram para o mercado.”

– “Para que vendedor?”

– “Breckinridge, de Covent Garden.”

– “Mas tinha outro ganso com uma lista preta na cauda?” perguntei. “Igual ao que escolhi?”

– “Sim, Jem, eram dois com a cauda listada e nunca consegui distinguir um do outro.”

 Então compreendi tudo e saí correndo o mais depressa possível para o mercado, mas Breckinridge tinha vendido todos de uma vez e não quis dizer uma palavra sequer sobre seu destino. Os senhores ouviram o que ele estava dizendo hoje à noite. Foi assim que sempre me respondeu. Minha irmã pensa que estou ficando louco. Às vezes, eu também penso isso. E agora... e agora sou um ladrão aos olhos do mundo sem ter sequer tocado na fortuna pela qual ganhei esta fama. Deus me ajude! Deus me ajude! – Começou a soluçar convulsivamente, com o rosto enterrado nas mãos.

Houve um longo silêncio, quebrado apenas pelos soluços e pelos dedos de Sherlock Holmes, que batiam na borda da mesa. Então meu amigo se levantou e abriu a porta.

– Saia! – ordenou.

– O quê, senhor! Oh, Deus o abençoe!

– Nem mais uma palavra. Saia!

E não era preciso dizer mais nada. Um movimento rápido, um barulho na escada, uma porta que bateu e passos apressados descendo a rua.

– Afinal de contas, Watson – disse Holmes, estendendo a mão para pegar o cachimbo de barro –, não sou pago pela polícia para suprir suas deficiências. Se Horner estivesse em perigo, seria diferente, mas esse camarada não vai testemunhar contra ele e este caso será encerrado. Acho que estou sendo cúmplice de um crime, mas é possível que esteja salvando uma alma. Este sujeito não vai fazer mais nada de errado. Ficou amedrontado demais. Se fosse para a prisão agora, seria um criminoso pelo resto da vida. Além disso, essa época do ano é a do perdão. O acaso colocou em nosso caminho um problema original e sua solução é a própria recompensa. Tenha a bondade de tocar a campainha, doutor, e começaremos outra investigação que também envolve uma ave.