— Encrenca? Eu... não. Por que pergunta?
— Alguns homens de Washington vieram me procurar, fazendo perguntas a seu respeito.
Mary Ashley ouviu o eco das palavras de Florence Schiffer: Algum agente federal de Washington!... Estava fazendo uma porção de perguntas sobre Mary. Do jeito como falava, parecia que ela era uma espiã internacional... Ela é uma americana leal? Tem sido uma boa esposa e mãe... Portanto, no final das contas, o intruso não tinha nada a ver com seu posto de catedrática. Ela se descobriu de repente com dificuldade para falar.
— O que... o que eles queriam saber, reitor Hunter?
— Perguntaram sobre sua reputação como professora e também queriam saber de sua vida pessoal.
— Não posso explicar. Não tenho a menor idéia do que está acontecendo. E não estou metida em nenhuma encrenca. Pelo menos ao que eu saiba.
O reitor observava-a com um ceticismo óbvio.
— Não lhe contaram por que estavam fazendo perguntas a meu respeito?
— Não. Para dizer a verdade, pediram-me que mantivesse a conversa no mais absoluto sigilo. Mas tenho um dever de lealdade para com a minha equipe e achei que seria justo informá-la. Se houver alguma coisa que eu deva saber, prefiro tomar conhecimento por seu intermédio. Qualquer escândalo envolvendo um dos nossos professores poderia ter reflexos prejudiciais sobre a universidade.
Mary sacudiu a cabeça, desamparada.
— Eu... eu não posso imaginar nada.
O reitor fitou-a em silêncio por um momento. Parecia prestes a dizer alguma coisa, mas depois balançou a cabeça e limitou-se a murmurar:
— Está bem, senhora Ashley.
Ela ficou observando o reitor se retirar e especulou: Mas afinal, o que eu poderia ter feito?
Mary se manteve muito quieta durante o jantar. Queria esperar que Edward acabasse de comer antes de contar o que estava acontecendo. Tentariam esclarecer o problema juntos. As crianças estavam insuportáveis outra vez. Beth recusou-se a comer qualquer coisa.
— Ninguém mais come carne. É um costume bárbaro, trazido dos tempos do homem da caverna. Pessoas civilizadas não comem animais vivos.
— Não está vivo — argumentou Tim. — Está morto, e por isso você pode comer.
— Crianças! — Os nervos de Mary estavam à flor da pele. — Não digam mais nada! Beth, vá preparar uma salada para você!
— Ela podia pastar no campo — sugeriu Tim.
— Tim! Termine logo de jantar! — A cabeça de Mary começava a latejar. — Edward...
O telefone tocou.
— É para mim — disse Beth.
Ela se levantou de um pulo e correu para o telefone. Tirou o fone do gancho e murmurou, com sua voz mais sedutora:
— Virgil? — Ela escutou por um momento e sua expressão mudou. Foi com irritação que acrescentou: — Sei disso!
Beth bateu com o telefone e voltou para a mesa.
— Quem era? — perguntou Edward.
— Algum gaiato. Disse que era da Casa Branca, querendo falar com mamãe.
— Casa Branca? — repetiu Edward. O telefone tornou a tocar.
— Eu atendo — disse Mary.
Ela se levantou e foi até o telefone.
— Alô? — Enquanto escutava, sua expressão tornou-se sombria. — Estou no meio do jantar e não acho a menor graça. Você pode... o quê? ... Quem? O presidente?
Houve um súbito silêncio na sala.
— Espere um... eu... oh, boa noite, senhor presidente. — Havia uma expressão atordoada em seu rosto. Toda a família observava, os olhos arregalados. — Sim, senhor. Reconheço sua voz. Eu... eu... peço desculpas por terem batido com o telefone há pouco. Beth pensou que era Virgil e... sim, senhor. Obrigada. — Ela ficou imóvel, escutando. — Se eu estaria disposta a servir como o quê?
O rosto de Mary ficou subitamente vermelho. Edward estava de pé, aproximando-se do telefone, as crianças logo atrás.
— Deve haver algum engano, senhor presidente. Meu nome é Mary Ashley. Sou professora na Universidade Estadual do Kansas e... O senhor leu? Obrigada, senhor... É muita gentileza sua... Eu acho que sim... — Ela escutou em silêncio por um longo momento. — Sim, senhor, eu concordo. Mas isso não significa que eu... Sim, senhor. Sim, senhor. Claro que me sinto lisonjeada. É uma oportunidade maravilhosa, mas eu... Claro que sim, senhor. Conversarei a respeito com meu marido e ligarei depois. — Ela pegou uma caneta e anotou um número. — Sim, senhor. Já anotei. Obrigada, senhor presidente. Adeus.
Lentamente, Mary repôs o fone no gancho e ficou imóvel, em estado de choque.
— O que houve? — perguntou Edward.
— Era mesmo o presidente? — indagou Tim. Mary arriou numa cadeira.
— Era, sim.
Edward pegou a mão de Mary.
— O que ele disse, Mary? O que queria?
Ela estava atordoada, pensando: Então era esse o motivo para todas as perguntas. Ela levantou os olhos para o marido e os filhos e disse, falando bem devagar:
— O presidente leu meu livro e o artigo que saiu na revista Foreign affairs e os achou brilhantes. Disse que é o tipo de pensamento que deseja em seu programa povo-para-povo. E quer me designar para embaixadora na Romênia.
Havia uma expressão de total incredulidade no rosto de Edward.
— Você? Por que você?
Era exatamente o que Mary perguntara a sí mesma, mas sentiu agora que Edward poderia ter sido mais diplomático. Poderia falar: "Mas que idéia maravilhosa! Você dará uma grande embaixadora!" Mas ele estava sendo realista. É verdade, por que logo eu?
— Você não tem qualquer experiência política.
— Sei disso muito bem — respondeu Mary, com alguma irritação. — Concordo que toda a idéia é absurda.
— Você vai ser embaixadora? — perguntou Tim. — Vamos nos mudar para Roma?
— Romênia.
— Onde fica a Romênia? Edward virou-se para os filhos.
— Vocês dois acabem de jantar. Sua mãe e eu gostaríamos de ter uma conversinha em particular.
— Não temos direito a voto? — indagou Tim.
— Votam pela ausência.
Edward pegou Mary pelo braço e levou-a para a biblioteca. Ali, virou-se para ela e disse:
— Desculpe se pareci um idiota pomposo. É que fiquei tão...
— Você tinha toda razão, Edward. Por que haveriam de escolher logo a mim?
Quando Mary o chamava de Edward, ele sabia que se encontrava numa situação difícil.
— Meu bem, provavelmente você daria uma grande embaixadora... ou embaixatriz, não sei como é que chamam. Mas deve admitir que a notícia foi um choque.
Mary abrandou.
— Mais do que isso, um relâmpago. — Ela parecia uma garotinha. — Ainda não posso acreditar. — Riu. — Espere só até eu contar a Florence. Ela vai morrer. Edward observava-a atentamente.
— Está muito excitada com isso, não é? Ela fitou-o, surpresa.
— Claro que estou. Você também não ficaria? Edward escolheu suas palavras com extremo cuidado:
— É uma grande honra, meu bem, e tenho certeza de que não foi uma coisa que ofereceram levianamente. Devem ter um ótimo motivo para escolhê-la. — Ele hesitou. — Temos de pensar a respeito com muito cuidado. Sobre as conseqüências para as nossas vidas.
Ela sabia o que o marido ia dizer e pensou: Edward está certo. Claro que ele está certo.
— Não posso deixar a clinica e abandonar meus pacientes. Tenho de ficar aqui. Não sei por quanto tempo ficaríamos separados, mas se isso é muito importante para você... então acho que devemos arrumar um jeito para que vá com as crianças e eu iria me encontrar com vocês sempre que...
Mary interrompeu-o, a voz suave:
— Você é mesmo doido. Acha que eu poderia viver longe de você?