Quando Mary chegou em casa, Edward ainda não voltara do hospital. Tim estava no escritório, assistindo a um programa de ficção científica. Mary guardou as compras e foi confrontar o filho.
— Você não deveria estar fazendo o dever de casa?
— Não posso.
— E por que não?
— Porque não entendo.
— E não vai mesmo entender se continuar assistindo Jornada nas estrelas. Mostre-me o dever.
Tim mostrou o livro de matemática da quinta série, comentando:
— Estes problemas são muito burros.
— Não existem problemas burros, mas sim alunos burros. E agora vamos estudar este aqui.
Mary leu o problema em voz alta:
— Um trem deixando Minneapolis levava 149 pessoas a bordo. Mais pessoas embarcaram em Atlanta. Agora, havia 223 pessoas a bordo. Quantas pessoas embarcaram em Atlanta? — Ela levantou os olhos. — É muito simples, Tim. Basta subtrair 149 de 223.
— Não, não é isso — protestou Tim, sombriamente. — Tem de se armar uma equação. 149 mais N é igual a 223. N é igual a 223 menos 149. N é igual a 74.
— Isso é uma burrice — concluiu Mary.
Ao passar pelo quarto de Beth, Mary ouviu um barulho. Entrou. Beth estava sentada no chão, de pernas cruzadas, assistindo à televisão, escutando um disco de rock e fazendo o dever de casa.
— Como pode se concentrar com este barulho todo? — perguntou Mary.
Ela foi até a televisão e desligou-a, depois desligou também o toca-discos. Beth levantou os olhos, surpresa.
— Por que fez isso? Era George Michael!
O quarto de Beth era revestido de posters de músicos. Havia Kiss e Van Halen, Motley Crue, Aldo Nova e David Lee Roth. A cama estava coberta de revistas: Seventeen, Teen idol e meia dúzia de outras. As roupas de Beth estavam espalhadas pelo chão. Em desespero, Mary correu os olhos pelo quarto desarrumado.
— Como pode viver assim, Beth? A menina ficou aturdida.
— Viver como, mamãe? Mary rangeu os dentes.
— Nada. — Ela olhou para um envelope na escrivaninha da filha. — Está escrevendo para Rick Springfield?
— Estou apaixonada por ele.
— Pensei que estivesse apaixonada por George Michael.
— Eu queimo por George Michael, mas estou apaixonada por Rick Springfield. Mamãe, você nunca queimou por ninguém no seu tempo?
— No meu tempo estávamos ocupadas demais atravessando o continente em carroças.
Beth suspirou.
— Sabia que Rick Springfield teve uma infância horrível?
— Para ser absolutamente sincera, Beth, eu não tinha a menor idéia.
— Foi uma coisa pavorosa. O pai era militar e estavam sempre mudando de lugar. Ele também é vegetariano. Como eu. Ele é sensacional.
Então é isso o que está por trás dessa dieta maluca de Beth!
— Mamãe, posso ir ao cinema no sábado à noite com Virgil?
— Virgil? O que aconteceu com Arnold? Houve uma pausa.
— Arnold quis bancar o engraçadinho. Ele é nojento. Mary fez um esforço para parecer calma.
— Com "bancar o engraçadinho" você está querendo dizer...?
— Só porque meus seios começaram a crescer, os garotos acham que sou fácil. Você se sentia embaraçada com seu corpo, mamãe?
Mary foi postar-se atrás da filha e enlaçou-a.
— Claro que sim, querida. Eu me sentia muito embaraçada quando tinha a sua idade.
— Detesto ter a menstruação, ficar com seios e toda cabeluda. Por quê?
— Acontece com todas as garotas, mas vai acabar se acostumando.
— Não vou, não. — Beth desvencilhou-se da mãe e declarou, veemente: — Não me importo de ficar apaixonada, mas nunca vou fazer sexo. Ninguém vai me tocar. Nem Arnold, nem Virgil, nem Kevin Bacon.
Mary disse, em tom solene:
— Se é essa a sua decisão...
— Uma decisão irrevogável. Mamãe, o que o presidente Ellison falou quando você disse que não queria ser embaixadora?
— Ele aceitou minha decisão muito bem. E agora, acho que é melhor eu começar a preparar o jantar.
Cozinhar era a tragédia secreta de Mary Ashley. Detestava cozinhar, e por isso não era muito boa; e como gostava de ser boa em tudo o que fazia, detestava ainda mais. Era um círculo vicioso, que fora resolvido em parte pela presença de Lucinda, três vezes por semana, para cozinhar e arrumar a casa. Aquele era um dos dias de folga de Lucinda.
Quando Edward chegou do hospital, Mary estava na cozinha, queimando algumas ervilhas. Ela virou-se no fogão e deu-lhe um beijo.
— Olá, querido. Como foi o seu dia? Nojento?
— Você deve ter se comunicado com nossa filha — comentou Edward. — Para dizer a verdade, foi mesmo nojento. Tratei esta tarde de uma garota de treze anos que tinha herpes genital.
— Oh, querido!
Mary jogou fora as ervilhas e abriu uma lata de tomates.
— Isso me deixa preocupado com Beth.
— Pois não precisa se preocupar — garantiu Mary. — Ela está planejando morrer virgem.
Ao jantar, Tim perguntou:
— Papai, posso ganhar uma prancha de surfe no meu aniversário?
— Não quero interferir no seu sonho, Tim, mas acontece que você mora no Kansas.
— Sei disso, mas Johnny me convidou para ir com ele para o Havaí no próximo verão. Sua família tem uma casa na praia em Maui.
— Se Johnny tem uma casa na praia em Maui — comentou Edward, ponderado —, então provavelmente tem uma prancha de surfe.
Tim virou-se para a mãe.
— Posso ir?
— Veremos. Por favor, não coma tão depressa, Tim. Beth, você não está comendo nada.
— Não há nada aqui que seja apropriado ao consumo humano.
Ela fitou os pais em silêncio por um momento, depois acrescentou:
— Tenho um comunicado a fazer. Vou mudar de nome.
Edward perguntou, com toda cautela:
— Algum motivo em particular?
— Resolvi me tornar uma artista.
Mary e Edward trocaram um olhar longo e angustiado. E foi Edward quem disse:
— Está bem. Descubra quanto consegue obter por eles.
8
Em 1965, num escândalo que abalou as organizações internacionais de serviço secreto, Mehdi ben Barka, um oponente do rei Hassan II, do Marrocos, foi atraído a Paris de seu exílio em Genebra e assassinado com a ajuda do serviço secreto francês. Em decorrência desse incidente, o presidente Charles de Gaulle tirou o serviço secreto do controle do gabinete do primeiro-ministro e colocou-o sob a égide do Ministério da Defesa. Por isso é que o atual ministro da defesa, Roland Passy, era o responsável pela segurança de Marin Groza, a quem o governo francês concedera asilo. Havia gendarmes de guarda na frente da villa em Neuilly em turnos de 24 horas, mas era o conhecimento de que Lev Pasternak estava no comando da segurança interna da propriedade que dava confiança a Passy. Ele vira pessoalmente as medidas de segurança e estava convencido de que a casa era inexpugnável.
Nas últimas semanas havia rumores no mundo diplomático de que era iminente um golpe, que Marin Groza estava planejando voltar à Romênia e que Alexandros Ionescu seria deposto pelos principais militares do país.