Lev Pasternak bateu na porta e entrou na biblioteca atulhada de livros que servia como escritório de Marin Groza. O líder rebelde romeno estava sentado à sua escrivaninha, trabalhando. Levantou os olhos quando Lev Pasternak entrou.
— Todo mundo quer saber quando vai ser a revolução — disse Pasternak. — É o segredo menos bem guardado do mundo.
— Diga a eles para terem mais um pouco de paciência. Você irá comigo para Bucareste, Lev?
Mais do que qualquer outra coisa, Lev Pasternak ansiava em voltar para Israel. Aceitarei o cargo apenas em caráter temporário, dissera a Marin Groza. Até você estar pronto para entrar em ação. O temporário se transformara em semanas e meses, até que três anos haviam transcorrido. E agora era o momento de tomar outra decisão.
Num mundo povoado por pigmeus, pensou Lev Pasternak, tive o privilégio de servir a um gigante. Marin Groza era o homem mais altruísta e idealista que Lev Pasternak já conhecera.
Quando fora trabalhar para Groza, Pasternak especulara sobre a família do homem. Groza nunca falava a respeito, mas o oficial que promovera o encontro de Pasternak com o líder rebelde romeno lhe contara toda a história:
— Groza foi traído. A Securitate capturou-o e torturou-o por cinco dias. Prometeram libertá-lo se revelasse os nomes de seus companheiros no movimento subterrâneo. Ele se recusou a falar. Prenderam sua esposa e a filha de quatorze anos e levaram-nas para a sala de interrogatório. Ofereceram uma opção a Groza: fale ou observe-as morrerem. Era a decisão mais difícil que um homem já teve de tomar. Eram as vidas de seus entes mais amados contra as vidas de centenas de pessoas que acreditavam nele.
O homem fizera uma pausa e depois continuara, mais devagar:
— Creio que, ao final, Groza tomou a sua decisão porque estava convencido de que ele e sua família seriam mortos de qualquer maneira. Recusou-se a revelar os nomes. Os guardas amarraram-no numa cadeira e obrigaram-no a assistir à esposa e à filha serem estupradas até morrerem. Mas ainda não haviam acabado com Groza. Depois que tudo acabou e os corpos ensangüentados das duas estavam caídos a seus pés, eles o castraram.
— Santo Deus!
O oficial fitara Pasternak nos olhos e acrescentara:
— A coisa mais importante que você deve compreender é que Marin Groza não quer voltar à Romênia em busca de vingança. Ele quer voltar para libertar seu povo. Quer dar um jeito para que coisas assim nunca mais aconteçam.
Lev Pasternak estivera com Groza desde aquele dia; quanto mais tempo passava com o líder revolucionário, mais o amava. Agora, precisava decidir se renunciava à volta a Israel e ia para a Romênia com ele.
Pasternak estava atravessando o corredor naquela noite. Ao' passar pela porta do quarto de Marin Groza, ouviu os gritos familiares de desespero. Então é sexta-feira, pensou Pasternak. Era o dia das prostitutas. Eram escolhidas na Inglaterra, América do Norte, Brasil, Japão, Tailândia e meia dúzia de outros países, ao acaso. Não tinham a menor idéia de seu destino ou de quem iam visitar. Eram recebidas no Aeroporto Charles de Gaulle, e levadas de carro diretamente para a villa. Depois de algumas horas, seguiam para o aeroporto e embarcavam num vôo de volta. Toda noite de sexta-feira os corredores ressoavam com os gritos de Marin Groza. Todos presumiam que estava ocorrendo alguma prática sexual fora do normal. O único que sabia o que realmente acontecia por trás da porta do quarto era Lev Pasternak. Pois as visitas das prostitutas nada tinham a ver com sexo. Eram uma penitência. Uma vez por semana, Groza tirava as roupas e mandava que uma mulher o amarrasse a uma cadeira e o açoitasse brutalmente. A cada vez que isso acontecia, ele via a esposa e a filha serem estupradas até a morte, gritando por socorro. E berrava:
— Perdoem-me! Eu falarei! Oh, Deus, por favor, deixe-me falar...
O contato foi efetuado dez dias depois de o corpo de Harry Lantz ser encontrado. O Controlador estava no meio de uma reunião com seu estado-maior, na sala de conferências, quando a campainha do interfone soou.
— Sei que pediu para não ser incomodado, senhor, mas há uma ligação do exterior. Parece urgente. Uma certa miss Neusa Muñez está ligando de Buenos Aires. Eu disse a ela...
— Não tem problema. — Ele manteve as emoções sob firme controle. — Atenderei em minha sala.
Pediu licença aos participantes da reunião, passou para a sua sala e trancou a porta. Pegou o telefone.
— Alô? É miss Muñez?
— A própria. — A voz tinha um sotaque sul-americano, rude e inculto. — Recebi uma mensagem para você de Angel. Ele não gostou do mensageiro abelhudo que você mandou.
Ele teve de escolher as palavras com todo cuidado:
— Sinto muito. Mas ainda gostaríamos que Angel fizesse o trabalho. Seria possível?
— Claro. Ele diz que quer fazer.
O homem conteve um suspiro de alívio.
— Ótimo. Como podemos acertar o adiantamento? A mulher soltou uma risada.
— Angel não precisa de adiantamento. Ninguém engana Angel. — De certa forma, as palavras eram assustadoras. — Depois que o trabalho for realizado, ele diz para você depositar o dinheiro no... espere um instante... anotei em algum lugar... ah, aqui está... no Banco do Estado, em Zurique. É algum lugar na Suíça. Ela parecia uma débil mental.
— Precisarei do número da conta.
— Ah, sim. O número é... meu Deus, esqueci. Espere um pouco. Anotei em algum lugar. — Ele ouviu o farfalhar de papéis e depois de algum tempo a mulher voltou ao telefone. — Aqui está. Jota-três-quatro-nove-zero-sete-sete.
Ele repetiu o número.
— Quando ele pode resolver o problema?
— Quando estiver pronto, señor. Angel diz que o senhor saberá quando o trabalho for realizado. Lerá a notícia nos jornais.
— Está certo. Vou lhe dar meu telefone particular, caso Angel precise entrar em contato comigo.
Ele deu o número, falando bem devagar.
Tbilisi, Rússia
A reunião se realizava numa dacha isolada, à margem do rio Kura. O presidente disse:
— Surgiram dois assuntos urgentes. O primeiro é uma boa notícia. O Controlador foi procurado por Angel. O contrato será executado.
— Esta é uma notícia sensacional! — exclamou Freyr. — E qual é a má notícia?
— Envolve a candidata do presidente para a embaixada na Romênia. Mas é possível contornar a situação...
Era difícil para Mary Ashley concentrar os pensamentos na aula. Alguma coisa mudara. Aos olhos de seus alunos, ela se tornara uma celebridade. Era uma sensação inebriante. Podia sentir a turma absorvendo cada palavra sua.
— Como sabemos, o ano de 1956 foi uma vertente para muitos países do Leste europeu. Com a volta de Gomulka ao poder, o comunismo nacionalista emergiu na Polônia. Na Tchecoslováquia, Antonin Mavorony assumia a liderança do Partido Comunista. Não houve grandes mudanças políticas na Romênia nesse ano...
Romênia... Bucareste... Pelas fotografias que Mary vira, era uma das cidades mais lindas da Europa. Lembrava de como ficava aterrorizada quando era pequena com as histórias do terrível príncipe Vlad, da Transilvânia. Ele era um vampiro, Mary, e vivia em seu enorme castelo no alto das montanhas de Brasov, sugando o sangue de vitimas inocentes.
Mary percebeu subitamente o profundo silêncio na sala. A turma a observava. Por quanto tempo terei ficado assim, a sonhar?, especulou. Apressou-se em continuar com a aula: