Mais uma vez, a ironia aflorou. Se Edward continuasse vivo, ela não estaria ali. Estaria segura e confortável em casa, com meu marido e meus filhos, o lugar a que pertenço.
Mary passou a noite inteira acordada.
A audiência foi realizada na sala da Comissão de Relações Exteriores do Senado, com todos os quinze membros presentes, sentados numa plataforma, na frente de uma parede em que havia quatro enormes mapas do mundo. No lado esquerdo da sala ficava a bancada da imprensa, repleta de repórteres; no meio havia cadeiras para duzentos espectadores. A sala estava lotada. Pete Connors sentava numa das últimas filas. Houve um súbito silêncio quando Mary entrou, acompanhada por Beth e Tim.
Ela usava um costume escuro e uma blusa branca. As crianças haviam sido obrigadas a abandonar as jeans e vestiam as melhores roupas dominicais.
Ben Cohn, sentado na bancada da imprensa, observou-os atentamente. Eles parecem uma gravura de Norman Rockwell, pensou.
Um atendente sentou as crianças na frente e conduziu Mary à cadeira das testemunhas, de frente para a comissão. Ela sentou sob o clarão de luzes ofuscantes, tentando disfarçar seu nervosismo. A audiência começou. Charlie Campbell sorriu para Mary.
— Bom dia, senhora Ashley. Agradecemos sua presença nesta comissão. Vamos iniciar as perguntas.
E começaram de forma bastante inocente.
— Nome...?
— Viúva...?
— Filhos...?
As perguntas eram gentis e encorajadoras.
— Segundo a biografia que nos foi fornecida, senhora Ashley, durante os últimos anos a senhora foi professora de ciência política na Universidade Estadual do Kansas. Isso é correto?
— É, sim, senhor.
— É natural do Kansas?
— Sou, sim, senador.
— Seus avós eram romenos?
— Meu avô era, senhor.
— Escreveu um livro e artigos sobre a reaproximação entre os Estados Unidos e países do bloco soviético?
— Escrevi, sim, senhor.
— O último artigo foi publicado em parte na revista Foreign affairs e atraiu a atenção do presidente?
— É o que presumo.
— Senhora Ashley, poderia fazer a gentileza de informar a esta comissão qual é a premissa básica de seu artigo?
O nervosismo estava desaparecendo depressa. Ela se encontrava em terreno seguro agora, discutindo um assunto sobre o qual tinha toda autoridade. Tinha a sensação de que estava conduzindo um seminário na escola.
— Existem no momento vários pactos econômicos no mundo. Como são mutuamente exclusivos, servem para dividir o mundo em blocos antagônicos e competitivos, em vez de o unirem. A Europa tem o Mercado Comum, o Bloco do Leste tem o COMECON, há ainda a OCDE, integrada pelos países de mercado livre, e o movimento não-alinhado dos países do Terceiro Mundo.
"Minha premissa é muito simples: eu gostaria que todas as diversas organizações fossem ligadas por vínculos econômicos. Indivíduos que estão empenhados numa sociedade proveitosa não se matam uns aos outros. Creio que o mesmo princípio se aplica a países. Gostaria que nosso país assumisse a vanguarda de um movimento para a criação de um mercado comum que incluísse tanto aliados quanto adversários. Hoje, para citar um exemplo, estamos gastando bilhões de dólares para armazenar excedentes de cereais, enquanto pessoas em dezenas de países passam fome. O mercado comum mundial poderia resolver esse problema. Poderia curar as desigualdades na distribuição, a um preço justo para todos. E eu gostaria de tentar ajudar para que isso se torne uma realidade."
O senador Harold Turkel, antigo membro da Comissão de Relações Exteriores e representante do partido de oposição, manifestou-se:
— Eu gostaria de fazer algumas perguntas à indicada. Ben Cohn inclinou-se para a frente. Lá vamos nós. O
senador Turkel era um homem na casa dos setenta anos, duro e impertinente, um notório rabugento.
— É a primeira vez que vem a Washington, senhora Ashley?
— É, sim, senhor. Acho que é uma das mais...
— Já viajou muito?
— Não. Meu marido e eu sempre planejamos viajar, mas...
— Já esteve em Nova York?
— Não, senhor.
— Califórnia?
— Não, senhor.
— Foi à Europa?
— Não. Como eu disse, planejávamos...
— Já tinha saído antes do Estado do Kansas, senhora Ashley?
— Já, sim. Fiz uma conferência na Universidade de Chicago e uma série de palestras em Denver e Atlanta.
Turkel disse, secamente:
— Deve ter sido muito emocionante no seu caso, senhora Ashley. Não posso me recordar de qualquer ocasião em que esta comissão tenha aprovado uma candidata menos qualificada para uma embaixada. Espera representar os Estados Unidos da América num sensível país da Cortina de Ferro e nos diz que todo o seu conhecimento do mundo provém de Junction City, Kansas, e de passar alguns dias em Chicago, Atlanta e Denver. É isso mesmo?
Mary estava consciente das câmaras de televisão focalizadas nela e fez um esforço para se controlar.
— Não, senhor. Meu conhecimento do mundo provém do muito que o estudei. Tenho um Ph.D. em ciência política e ensino na Universidade Estadual do Kansas há cinco anos, com ênfase nos países da Cortina de Ferro. Estou a par dos problemas atuais do povo romeno e do que seu governo pensa dos Estados Unidos e por quê. — A voz soava mais firme agora. — Tudo o que eles sabem deste país é o que lhes diz sua máquina de propaganda. Eu gostaria de ir até lá e tentar convencê-los de que os Estados Unidos não são um país ganancioso e propenso à guerra. Gostaria de mostrar-lhes como é uma típica família americana. Gostaria...
Ela parou de falar, temendo ter ido longe demais em sua raiva. E nesse instante, para sua surpresa, os membros da comissão começaram a aplaudir. Menos Turkel.
O interrogatório continuou. Uma hora depois, Charlie Campbell perguntou:
— Alguém tem mais alguma pergunta?
— Creio que a indicada se expressou de maneira bastante objetiva — comentou um senador.
— Concordo. Obrigado, senhora Ashley. A sessão está suspensa.
Pete Connors estudou Mary por um momento, pensativo, depois se afastou discretamente, enquanto os repórteres a cercavam.
— A indicação do presidente foi surpresa para a senhora?
— Acha que vão aprovar sua indicação, senhora Ashley?
— Acredita mesmo que dar aulas sobre um país qualifica alguém a...?
— Vire para este lado, senhora Ashley. Sorria, por favor. Mais uma vez.
— Senhora Ashley...
Ben Cohn se manteve a distância dos outros, observando e escutando. Ela é mesmo boa, pensou ele. Tem todas as respostas certas. Ah, como eu gostaria de também conhecer as respostas certas!
Quando Mary chegou ao hotel, emocionalmente esgotada, Stanton Rogers estava ao telefone.
— Olá, senhora embaixadora.
Mary sentiu-se tonta de alívio.
— Quer dizer que consegui? Oh, Stan, muito obrigada! Não tenho palavras para dizer como estou emocionada.
— Eu também estou, Mary. — A voz de Rogers estava impregnada de orgulho. — Eu também estou.
As crianças abraçaram-na quando Mary lhes contou.
— Eu sabia que você conseguiria! — gritou Tim. Beth perguntou, suavemente:
— Acha que papai sabe?
— Tenho certeza que sabe, querida. — Mary sorriu, — Eu não ficaria surpresa se soubesse que ele deu um pequeno empurrão na comissão...
Mary telefonou para Florence. Ao ser informada, a amiga começou a chorar.
— Fantástico! Espere só até eu espalhar a notícia pela cidade!