— Não, senhor.
Ele entregou a Mary um grosso envelope pardo, com um lacre vermelho.
— Assine o recebimento, por favor. Mary assinou.
Voltando para o hotel, Mary apertava o envelope no colo, sentindo-se personagem de um filme de James Bond. As crianças estavam arrumadas, à sua espera.
Oh, não!, pensou Mary, se lembrando. Prometi levá-las a um restaurante chinês e ao cinema!
— Houve uma mudança de planos, companheiros — declarou ela. — Teremos de deixar nossa excursão para outra noite. Hoje vamos ficar em casa e pedir que mandem o jantar para a suíte. Tenho um trabalho urgente a fazer.
— Claro, mamãe.
— Está bem.
E Mary pensou: Antes de Edward morrer, eles teriam gritado como desesperados. Mas amadureceram. Todos nós tivemos de crescer. Ela passou os braços pelos dois e prometeu:
— Podem deixar que vou compensá-los por isso.
O material que James Stickley lhe dera era inacreditável. Não é de admirar que ele queira isso de volta imediatamente, pensou Mary. Havia relatórios detalhados sobre todas as autoridades romenas, do presidente ao ministro do Comércio. Havia informações sobre seus hábitos sexuais, operações financeiras, amizades, características pessoais e preconceitos. Algumas coisas eram estarrecedoras. O ministro do Comércio, por exemplo, ia para a cama com a amante e seu motorista, enquanto a esposa mantinha ligação amorosa com uma criada.
Mary ficou acordada durante a metade da noite, memorizando nomes e os pecados das pessoas com as quais iria tratar. Será que conseguirei me manter impassível quando for apresentada a essa gente?
Pela manhã ela devolveu os documentos secretos. Stickley disse:
— Muito bem, agora você já conhece tudo que deveria saber sobre os líderes romenos.
— E mais alguma coisa — murmurou Mary.
— Há uma coisa que não deve esquecer: a essa altura, os romenos já conhecem tudo o que há para saber a seu respeito.
— Não vão chegar muito longe.
— Não mesmo? — Stickley recostou-se em sua cadeira. — Você é mulher e está sozinha. Pode estar certa de que já a classificaram como um alvo fácil. Vão jogar com a sua solidão. Cada movimento que fizer será observado e registrado. Haverá microfones secretos na embaixada e na residência. Nos países comunistas, somos obrigados a usar o pessoal local, e assim todos os criados na residência serão membros da polícia de segurança romena.
Ele está tentando me assustar, pensou Mary. Pois não vai dar certo.
Cada hora do dia de Mary parecia estar totalmente ocupada, assim como a maior parte das noites. Além das aulas de língua romena, sua programação incluía um curso no Instituto de Serviço Diplomático, em Rosslyn, instruções na Agência de Informações da Defesa, reuniões com o secretário da ASI — Agência de Segurança Internacional — e com diversos comitês do Senado. Todos tinham pedidos, conselhos, perguntas.
Mary sentia-se culpada em relação a Beth e Tim. Com a ajuda de Stanton Rogers, encontrou uma tutora para as crianças. Beth e Tim conheceram algumas outras crianças que também estavam no hotel e pelo menos tinham companhia de sua idade; mas, apesar disso, Mary continuava a detestar deixá-los sozinhos por tanto tempo.
Ela fazia questão de tomar o café da manhã com os filhos todas as manhãs, antes de partir, às oito horas, para o curso da língua no Instituto. O romeno era muito difícil. É surpreendente que os próprios romenos consigam falar uma língua assim. Ela estudava as frases em voz alta:
Bom dia
Bunã dimineata
Obrigado
Multumesc
Seja bem-vindo
Cu plãcere
Não compreendo
Nu înteleg
Senhor
Domnule
Senhorita
Domnisoarã
E nenhuma das palavras era pronunciada da maneira como se escrevia.
Beth e Tim ficavam observando sua luta com o dever de casa. Beth sorria e comentava:
— É a nossa vingança por nos obrigar a aprender a tabuada de multiplicação.
James Stickley comunicou:
— Quero apresentá-la a seu adido militar, senhora embaixadora. Este é o coronel William McKinney.
Bil McKinney estava à paisana, mas seu porte militar era como um uniforme. Era um homem alto, de meia-idade, o rosto vincado.
— Senhora embaixadora.
A voz era rude e meio rouca, como se a garganta estivesse machucada.
— Prazer em conhecê-lo — disse Mary.
O coronel McKinney era o primeiro membro de sua equipe, e conhecê-lo deixou Mary excitada. Parecia tornar bem mais próximo o seu novo posto.
— Estou ansioso em trabalhar ao seu lado na Romênia — disse o coronel McKinney.
— Já esteve na Romênia antes?
O coronel e James Stickley trocaram um olhar.
— Ele já esteve lá antes — respondeu Stickley.
Todas as tardes de segunda-feira eram realizadas sessões diplomáticas para os novos embaixadores, numa sala de conferências no oitavo andar do Departamento de Estado.
— Temos uma rigorosa cadeia de comando no serviço diplomático — disse o instrutor. — No topo, está o embaixador. Abaixo dele [abaixo dela, pensou Mary automaticamente], está o subchefe da missão. Abaixo dele [abaixo dela], estão os representantes consulares político, econômico, administrativo e de assuntos públicos. Há ainda o adido agrícola, o comercial e o militar. [Esse é o coronel McKinney, pensou Mary.] Quando estiverem em seus novos postos, gozarão de imunidade diplomática. Não podem ser presos por avançar um sinal, guiar embriagado, queimar uma casa ou até por assassinar alguém. Quando morrerem, ninguém pode tocar no corpo ou examinar qualquer bilhete que tenham deixado. Não precisam pagar suas contas... as lojas não podem processá-los.
Alguém da turma gritou:
— Não deixem minha mulher saber disso!
— Lembrem-se sempre de que o embaixador é o representante pessoal do presidente junto ao país a que está credenciado. Espera-se que se comportem de acordo. — O instrutor olhou para o relógio. — Antes de nossa próxima sessão, sugiro que estudem o Manual do serviço diplomático, volume dois, seção trezentos, que versa sobre os relacionamentos pessoais. Obrigado.
Mary e Stanton Rogers estavam almoçando no Watergate Hotel.
— O presidente Ellison gostaria que fizesse um trabalho de relações públicas para ele — disse Rogers.
— Que espécie de trabalho?
— Vamos fazer uma campanha nacional. Entrevistas com a imprensa, depoimentos no rádio e televisão...
— Se isso é importante, tentarei fazer o melhor possível.
— Ótimo. Teremos de providenciar um novo guarda-roupa. Você não pode se apresentar com o mesmo vestido duas vezes.
— Isso custaria uma fortuna, Stan. Além do mais, não tenho tempo para fazer compras. Estou ocupada do início da manhã ao final da noite. Se...
— Não há problema. Helen Moody.
— Como?
— Ela é uma das melhores compradoras profissionais de Washington. Deixe tudo aos seus cuidados.
Helen Moody era uma negra atraente e extrovertida, que fora modelo de sucesso antes de iniciar o seu serviço de compras pessoais. Apareceu na suíte de Mary no hotel uma manhã e passou uma hora examinando seu guarda-roupa.
— Muito bom para Junction City — disse ela, com toda a franqueza. — Só que precisamos agora conquistar Washington. Certo?
— Não tenho muito dinheiro para... Helen Moody sorriu.
— Sei onde se pode encontrar bons negócios. E teremos de providenciar tudo depressa. Vai precisar de um longo a rigor, um vestido de coquetel e recepções noturnas, um vestido para chás vespertinos e almoços, um costume para sair na rua ou usar no escritório, um vestido preto e um chapéu apropriado para funerais e lutos oficiais.