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Ionescu fez outra pausa, inclinando-se para mais perto de Mary, que pôde sentir seu bafo de álcool.

— Dando ao nosso povo uma liderança forte e firme. O povo confia em mim, e eu o governo bem.

Mary pensou em algumas das histórias que ouvira. As prisões durante a madrugada, os tribunais irregulares, as atrocidades, os desaparecimentos súbitos e inexplicáveis.

Enquanto Ionescu continuava a falar, Mary olhou por cima de seu ombro para as pessoas na sala apinhada. Havia pelo menos duzentas pessoas ali, e Mary tinha certeza de que representavam todas as embaixadas na Romênia. Conheceria a todos em breve. Dera uma olhada na lista de compromissos preparada por Harriet Kruger e descobrira que uma de suas primeiras funções deveria ser uma visita formal a cada uma das 75 embaixadas, Além disso, havia coquetéis e jantares em seis noites por semana.

Quando terei tempo para ser uma embaixadora?, especulou Mary. E mesmo enquanto pensava, compreendeu que tudo aquilo era parte dos deveres de uma embaixadora.

Um homem aproximou-se do presidente Ionescu e sussurrou algo em seu ouvido. A expressão de Ionescu tornou-se fria. Ele murmurou alguma coisa em romeno, o homem acenou com a cabeça e afastou-se apressado. O ditador tornou a se virar para Mary, outra vez o charme em pessoa.

— Preciso deixá-la agora. Mas aguardarei ansioso a próxima oportunidade em que nos encontraremos.

E Ionescu se foi.

19

A fim de aproveitar melhor o tempo nos dias movimentados que a esperavam, Mary determinou que Florian fosse buscá-la às seis e meia da manhã todos os dias. Durante o percurso até a embaixada, ela lia os relatórios e comunicados de outras embaixadas, entregues na residência durante a noite.

Ao atravessar o corredor, passando pela porta de Mike Slade, ela parou de repente, surpresa. Ele estava à sua mesa, trabalhando. Com a barba por fazer. Ela se perguntou se Slade teria passado a noite inteira ali.

— Chegou cedo — disse Mary. Ele levantou os olhos.

— Bom dia. Gostaria de falar com você.

— Está bem.

Ela começou a entrar.

— Não aqui. Na sua sala.

Ele seguiu Mary para a sala dela e foi até um instrumento que estava num canto.

— Isto é um retalhador — informou Mike.

— Sei disso.

— Sabe mesmo? Quando saiu ontem à noite, deixou alguns papéis em cima de sua mesa. A esta altura, já foram fotografados e enviados para Moscou.

— Oh, Deus! Devo ter esquecido. Que papéis eram?

— Uma lista de cosméticos, papel higiênico e outros artigos pessoais que queria encomendar. Mas isso não importa. A faxineira trabalha para a Securitate. Os romenos ficam felizes por qualquer fragmento de informação que consigam obter e são ótimos para juntar dois e dois. Lição número um: à noite, tudo deve ser guardado em seu cofre ou destruído.

— E qual é a lição número dois? — indagou Mary, friamente.

Mike sorriu.

— A embaixadora sempre começa seu dia tomando café com o subchefe da missão. Como prefere o seu?

Mary não tinha o menor desejo de tomar café com aquele filho da mãe arrogante.

— Eu... puro.

— Faz muito bem. É preciso tomar muito cuidado com a silhueta por aqui. A comida é do tipo que engorda. — Ele se levantou e se encaminhou para a porta que dava para a sua sala. — Preparo meu próprio café. Tenho certeza de que vai gostar.

Mary continuou sentada, furiosa com Slade. Tenho de tomar cuidado com a maneira de tratá-lo, pensou. Quero afastá-lo daqui o mais depressa possível.

Mike Slade voltou com duas canecas de café fumegante e colocou-as em cima da mesa.

— Como posso matricular Beth e Tim na escola americana aqui? — indagou Mary.

— Já providenciei tudo. Florian as levará pela manhã e irá buscar à tarde.

Ela ficou confusa.

— Ahn... obrigada.

— Deve visitar a escola quando tiver uma oportunidade. É pequena, com cerca de cem alunos. Cada turma tem oito ou nove estudantes. Vêm de todos os lugares... canadenses, israelenses, nigerianos... pode dizer qualquer um. Os professores são excelentes.

— Irei até lá.

Mike tomou um gole do café.

— Soube que teve uma boa conversa com nosso destemido líder ontem à noite.

— O presidente Ionescu? É verdade. Ele foi muito simpático.

— Sempre é. Um cara maravilhoso. Até que se irrita com alguém. E corta sua cabeça.

Mary disse, bastante nervosa:

— Não deveríamos falar sobre essas coisas apenas na Sala Bolha?

— Não há necessidade. Mandei fazer uma varredura eletrônica em sua sala esta manhã. Está limpa. Mas tome cuidado depois que os criados chegarem. Por falar nisso, não deixe que o charme de Ionescu a engane. Ele é um filho da puta irredutível. O povo o despreza, mas não pode fazer nada. A polícia secreta está em toda parte. É a KGB e a força policial reunidas numa coisa só. Os romenos têm ordens para não fazerem qualquer contato com estrangeiros. Se um estrangeiro quer jantar no apartamento de um romeno, o compromisso tem de ser aprovado primeiro pelo Estado.

Mary sentiu um calafrio percorrer seu corpo.

— Um romeno pode ser preso por assinar uma petição, criticar o governo, pichar paredes...

Mary lera artigos em jornais e revistas sobre a repressão nos países comunistas, mas viver no meio de tudo aquilo lhe dava uma sensação de irrealidade.

— Há julgamentos aqui — murmurou ela.

— É verdade. De vez em quando eles promovem julgamentos de demonstração e permitem a presença de repórteres do Ocidente. Mas a maioria dos presos sofre acidentes fatais quando se encontra sob a custódia da polícia. Há gulags na Romênia que não podemos conhecer. Ficam na área do Delta e no Danúbio, perto do mar Negro. Conversei com pessoas que os conheceram. As condições são terríveis.

— E não há lugar para onde possam escapar — disse Mary, pensando em voz alta. — Eles têm o mar Negro a leste, a Bulgária ao sul, a Iugoslávia, Hungria e Tchecoslováquia nas outras fronteiras. Estão bem no meio da Cortina de Ferro.

— Já ouviu falar do Decreto da Máquina de Escrever?

— Não.

— É a última idéia de Ionescu. Ordenou que toda máquina de escrever e copiadora do país fossem registradas. Assim que isso aconteceu, confiscou tudo. Agora Ionescu controla todas as informações que são disseminadas. Mais café?

— Não, obrigada.

— Ionescu aperta o povo onde mais dói. As pessoas têm medo de fazer greve, porque sabem que serão fuziladas. O padrão de vida aqui é um dos mais baixos da Europa. Há escassez de tudo. Se as pessoas deparam com uma fila na frente de uma loja, entram e compram qualquer coisa que esteja à venda, enquanto têm a chance.

— Parece-me que tudo isso oferece uma oportunidade maravilhosa para nós os ajudarmos — comentou Mary.

Mike Slade fitou-a em silêncio por um instante e depois disse, secamente:

— Tem razão. Uma oportunidade maravilhosa.

Naquela tarde, enquanto lia os telegramas chegados de Washington, Mary pensou em Mike Slade. Era um homem estranho. Arrogante e grosseiro, mas... Já providenciei a escola para as crianças. Florian as levará pela manhã e irá buscar à tarde. E parecia se importar realmente com o povo romeno e seus problemas. Talvez ele seja mais complexo do que imaginei, concluiu Mary. Ainda assim, não confio nele.

Foi por puro acaso que Mary tomou conhecimento das reuniões que se realizavam às suas costas. Ela deixou a embaixada para almoçar com o ministro da Agricultura romeno. Ao chegar ao ministério, foi informada de que ele fora convocado para um encontro inesperado com o presidente. Mary resolveu voltar à embaixada e ter um almoço de trabalho. Disse à sua secretária: