Mary não sabia se ria ou chorava. Mas vou fazer alguma coisa a respeito, prometeu a sí mesma.
O teatro ficava na Rasodia Romana, uma rua movimentada, com estandes pequenos vendendo flores, barbatanas de plástico, blusas e canetas. Era um teatro pequeno e todo ornamentado, uma relíquia de dias mais tranqüilos. O espetáculo em sí foi maçante, os trajes de mau gosto e os dançarinos desajeitados. Parecia interminável, e quando finalmente acabou, Mary sentiu-se contente em escapar para o ar fresco da noite. Florian esperava junto à limusine, na frente do teatro.
— Lamento, senhora embaixadora, mas haverá um atraso. Um pneu furado. E um ladrão roubou o estepe. Já mandei buscar outro. Deverá estar aqui em menos de uma hora. Gostaria de esperar no carro?
Mary levantou os olhos para a lua cheia. Era uma noite clara e agradável. Ela compreendeu que não andava pelas ruas de Bucareste desde que chegara. E tomou uma súbita decisão.
— Acho que voltarei a pé para casa. — Ela balançou a cabeça. — É uma ótima noite para andar.
Mary virou-se e foi andando pela rua na direção da praça central. Bucareste era uma cidade exótica e fascinante. Havia placas misteriosas nas esquinas: tuten... piine... chimíst...
Ela desceu pela Calea Mosilor e virou na Strada Maria Rosetti, por onde passavam tróleis vermelhos e marrons, lotados. Mesmo àquela hora tardia, a maioria das lojas estava aberta e havia filas na frente de todas. Os cafés serviam gogoase, as deliciosas rosquinhas romenas. As calçadas estavam apinhadas de pessoas fazendo compras, carregando pungi, as bolsas de corda. Mary achou que as pessoas estavam sinistramente quietas. Pareciam observá-la atentamente, as mulheres invejando suas roupas. Ela passou a andar mais depressa.
Parou ao chegar à esquina da Calea Victoriei, sem saber direito que direção tomar. Ela pediu a um transeunte:
— Por favor, pode me indicar o caminho para...
O homem lançou-lhe um olhar rápido e assustado e tratou de se afastar, apressado.
Eles não devem falar com estranhos, lembrou Mary.
Como ela conseguiria voltar? Tentou visualizar o caminho que percorrera com Florian. Tinha a impressão de que a residência ficava em algum lugar para leste. Pôs-se a andar nessa direção. Logo estava numa pequena rua transversal, mal iluminada. A distância, podia divisar uma avenida larga e bem iluminada. Poderei pegar um táxi quando chegar lá, pensou Mary, aliviada.
Ouviu o som de passos por trás e se virou, involuntariamente. Um homem grande, de sobretudo, avançava em sua direção, a passos largos. Mary passou a andar mais depressa.
— Com licença — chamou o homem, num forte sotaque romeno. — Está perdida?
Mary experimentou um profundo alívio. Provavelmente era algum policial. Talvez a seguisse para cuidar que se mantivesse sã e salva.
— Estou, sim — respondeu ela, agradecida. — Quero voltar para...
Houve o súbito barulho de um motor e um carro correndo por trás dela, depois os pneus rangendo na parada. O homem de sobretudo agarrou Mary. Ela sentiu seu bafo quente e fétido, os dedos fortes lhe apertando o pulso. Ele começou a empurrá-la para a porta aberta do carro. Mary lutava para se desvencilhar...
— Entre no carro! — resmungou o homem.
— Não! — Ela estava gritando. — Socorro! Socorro!
Um grito soou no outro lado da rua e um vulto começou a correr na direção deles. O homem parou, sem saber o que fazer. O estranho berrou:
— Largue-a!
Ele agarrou o homem de sobretudo e puxou-o para longe de Mary. Ela se descobriu subitamente livre. O homem ao volante estava saindo do carro para ajudar o cúmplice.
A distância, soava uma sirene se aproximando. O homem de sobretudo gritou alguma coisa para seu companheiro. Os dois entraram no carro e se afastaram a toda velocidade.
Um carro azul e branco com a palavra Militia do lado e uma luz azul faiscante no teto parou na frente de Mary. Dois homens uniformizados saltaram. Um deles perguntou, em romeno:
— Está bem? — E depois acrescentou, num inglês vacilante: — O que aconteceu?
Mary estava fazendo o maior esforço para se controlar.
— Dois homens... tentaram me forçar a entrar em seu carro... Se... se não fosse esse cavalheiro...
Ela virou-se.
O estranho desaparecera.
22
Ela lutou a noite inteira, debatendo-se para escapar dos homens, despertando em pânico, tornando a dormir, acordando outra vez. Reconstituía a cena de maneira intermináveclass="underline" os passos súbitos avançando depressa em sua direção, o carro parando, o homem tentando forçá-la a embarcar. Sabiam quem ela era? Ou apenas tentavam roubar uma turista que vestia roupas americanas?
Mike Slade estava à sua espera quando Mary chegou à embaixada. Entrou em sua sala com duas xícaras de café e sentou na frente da mesa, indagando:
— Como foi o teatro?
— Muito bom.
O que acontecera depois não era da conta de Mike Slade.
— Ficou machucada? Ela fitou-o, surpresa.
— Como?
— Quando tentaram seqüestrá-la — disse Mike, paciente. — Eles a machucaram?
— Eu... como soube?
A voz de Mike estava repleta de ironia:
— A Romênia, senhora embaixadora, é um segredo enorme e aberto. Não se pode tomar um banho sem que todos saibam. Não foi muito inteligente de sua parte sair para dar um passeio sozinha.
— Sei disso agora — respondeu Mary friamente. — Não acontecerá de novo.
— Ótimo. O homem levou alguma coisa?
— Não.
Mike franziu o rosto.
— Não faz sentido. Se quisessem o casaco ou a bolsa, poderiam arrancar na rua. Tentar forçá-la a entrar num carro significa que era um seqüestro.
— Quem poderia querer me seqüestrar?
— Não seriam os homens de Ionescu. Ele está tentando manter nossas relações em bom nível. Teria de ser algum grupo dissidente.
— Ou bandidos que queriam me manter por um resgate.
— Não há seqüestro por resgate neste país. Se pegassem alguém fazendo isso, não haveria nem julgamento... seria logo um pelotão de fuzilamento. — Ele tomou um gole do café. — Posso lhe dar um conselho?
— Estou escutando.
— Volte para casa.
— Como?
Mike Slade largou a xícara na mesa.
— Tudo o que precisa fazer é despachar uma carta de renúncia, pegar as crianças e voltar para o Kansas, onde estará segura.
Mary pôde sentir que seu rosto ficava vermelho.
— Cometi um erro, senhor Slade. Não foi o primeiro e provavelmente não será o último. Mas fui designada para este posto pelo presidente dos Estados Unidos, e até que ele me dispense não quero que você nem qualquer outra pessoa me diga para voltar para casa. — Fez um esforço para manter a voz sob controle. — Espero que as pessoas nesta embaixada trabalhem comigo, e não contra mim. Se acha que é pedir demais, por que você não volta para casa?
Mary estava agora tremendo de raiva. Mike Slade levantou-se.
— Providenciarei para que os relatórios da manhã lhe sejam encaminhados, senhora embaixadora.
A tentativa de seqüestro foi o único tema das conversas na embaixada naquela manhã. Como todos descobriram?, pensou Mary. E como Mike Slade descobriu? Ela gostaria de saber quem fora seu salvador, a fim de poder agradecer. No rápido vislumbre que tivera dele, ficara com a impressão de um homem atraente, talvez com quarenta e poucos anos, cabelos prematuramente grisalhos. Tinha um sotaque estrangeiro — talvez francês. Se fosse um turista, era possível que àquela altura já tivesse deixado a Romênia.