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Sidney Sheldon

UM ESTRANHO NO ESPELHO

Tradução de

ANA LUCIA DEIRÓ CARDOSO

Titulo original norte-americano

A STRANGER IN THE MIRROR

Se você procura se encontrar

Não olhe para um espelho

Pois lá não há nada além de uma sombra,

Um estranho.

─ Silenius, Odes à verdade

NOTA AO LEITOR

A arte de fazer os outros rirem é certamente uma maravilhosa dádiva dos deuses. Com muito carinho dedico este livro aos comediantes, aos homens e mulheres que possuem esse dom e o partilham conosco. E particularmente a um deles: o padrinho de minha filha, Groucho.

Esta é uma obra de ficção. Exceto pelos nomes de personalidades do mundo teatral, todas as personagens são imaginárias.

PRÓLOGO

Numa manhã de sábado, no princípio de agosto de 1969, uma série de acontecimentos bizarros e inexplicáveis ocorreu a bordo de um luxuoso transatlântico S.S. Bretagne, de cinqüenta e cinco mil toneladas, enquanto se preparava para deixar o porto de Nova York com destino a Le Havre.

Claude Dessard, comissário-chefe do Bretagne, um homem eficiente e meticuloso, dirigia, como gostava de dizer, um "navio rijo". Durante quinze anos que Dessard servira a bordo do Bretagne nunca havia encontrado uma situação que não fosse capaz de resolver com eficiência e discrição. Considerando-se que o S.S. Bretagne era um navio francês, isso era de fato uma façanha altamente elogiável. Entretanto, naquele dia de verão, foi como se mil demônios estivessem conspirando contra ele. Serviu de pequeno consolo para o seu orgulho gaulês o fato de que as investigações intensivas, realizadas posteriormente pelas divisões francesa e americana da Interpol e pela própria segurança da companhia de navegação, não tivessem conseguido descobrir uma única explicação plausível para os extraordinários acontecimentos daquele dia.

Por causa da fama das pessoas envolvidas, a história foi contada em manchetes, por todo o mundo, mas o mistério continuou sem solução.

Quanto a Claude Dessard, retirou-se da Cie. Transatlantique e abriu um bistrô em Nice, onde nunca se cansava de reviver com os clientes aquele estranho e inesquecível dia de agosto.

Tudo começara, Dessard recordava, com a entrega das flores do presidente dos Estados Unidos.

Uma hora antes da partida, uma limusine oficial, preta, com placa do governo federal, havia estacionado no píer 92, na foz do rio Hudson. Um homem vestindo um terno cinzento-escuro saltara do carro, segurando um buquê de trinta e seis rosas Sterling Silver. Dirigira-se até a prancha de embarque e trocara algumas palavras com Alain Safford, o oficial de serviço. As flores foram cerimoniosamente transferidas para Janin, um camareiro que as entregou e então procurou Claude Dessard.

─ Achei que gostaria de saber ─ comunicou Janin. ─ Rosas do presidente para Mme Temple.

Jill Temple. Naquele último ano sua fotografia havia aparecido na primeira página dos jornais e na capa de revistas de Nova York a Bangkok, de Paris a Leningrado. Claude Dessard se lembrava de ter lido que ela havia sido a primeira colocada em uma pesquisa recente da mulher mais admirada do mundo, e que um grande número de recém-nascidas estava sendo batizadas com seu nome. Os Estados Unidos da América sempre haviam tido suas heroínas. Agora Jill Temple havia se tornado uma. Sua coragem e a fantástica batalha que vencera e, em seguida, perdera tão ironicamente capturaram a imaginação do mundo. Era uma grande história de amor, mas era muito mais do que isso: continha todos os elementos do drama e da tragédia clássica gregos.

Claude Dessard não gostava muito de americanos, mas nesse caso estava encantado por fazer uma exceção. Tinha uma tremenda admiração por Mme. Temple. Ela era ─ e esse era o maior elogio que Dessard podia conceder a alguém ─ galante. Decidiu que sua viagem naquele navio devia ser inesquecível.

O comissário-chefe desviou os pensamentos de Jill Temple e se concentrou numa última verificação da lista dos passageiros. Havia uma coleção habitual do que os americanos chamavam de VIPs, uma sigla que Dessard detestava, particularmente porque os americanos tinham idéias muito absurdas a respeito do que fazia as pessoas importantes. Notou que a mulher de um industrial milionário estava viajando sozinha. Dessard sorriu e consultou a lista à procura do nome de Matt Ellis, um negro, astro de futebol. Quando o encontrou, sacudiu a cabeça, satisfeito. Dessard também ficou interessado ao notar que, em camarotes vizinhos, estavam um destacado senador e Carlina Rocca, uma dançarina sul-americana de strip-tease, cujos nomes vinham aparecendo em recentes artigos de jornal. Seus olhos se moveram percorrendo a lista.

David Kenyon. Dinheiro. Uma quantidade enorme de dinheiro. Já tinha viajado no Bretagne antes. Dessard se lembrava de David Kenyon como um homem bem apessoado, muito queimado do sol, com um corpo esguio e atlético. Um homem tranqüilo, discreto, mas de personalidade. Dessard pôs um M.C., significando mesa do comandante, depois do nome David Kenyon.

Clifton Lawrence. Uma reserva de último minuto. Um leve franzido surgiu na testa do comissário-chefe. Ah, ali estava um problema delicado. Que fazer com M. Lawrence? Houve época em que a questão nem teria sido levantada, pois ele teria sido automaticamente acomodado na mesa do comandante, onde divertia todo mundo com anedotas. Clifton Lawrence era um empresário teatral que nos seus grandes dias havia representado muito dos grandes astros no mundo dos espetáculos. Mas, infelizmente, os grandes dias de M. Lawrence haviam acabado Em outras épocas o empresário havia sempre insistido em ter a luxuosa Suíte Princesa, e naquela viagem havia reservado um quarto de solteiro num convés inferior. Primeira classe, é claro mas mesmo assim, Claude Dessard decidiu que deixaria para tomar sua decisão depois de examinar os outros nomes da lista.

Haviam membros da pequena nobreza a bordo, uma famosa cantora de ópera e um romancista russo que havia recusado o prêmio Nobel.

Uma batida na porta interrompeu a concentração de Dessard. Antoine, um dos carregadores, entrou.

─ Sim, que é? ─ perguntou Dessard.

Antoine olhou para ele com os olhos lacrimejantes.

─ O senhor mandou trancar o teatro?

Dessard franziu o cenho.

─ De que é que está falando?

─ Achei que tinha sido o senhor. Quem mais o faria? Há alguns minutos atrás fui verificar se estava tudo em ordem. As portas estavam trancadas. Pelo barulho parecia que havia alguém na sala de espetáculos passando um filme.

─ Nunca passamos filmes quando ainda estamos no porto ─ disse Dessard com firmeza. ─ E em nenhuma ocasião aquelas portas ficam trancadas. Vou dar uma olhada nisso.

Normalmente, Claude Dessard teria investigado o ato imediatamente, mas naquele momento estava atormentado por dúzias de detalhes urgentes, de último minuto, que tinham de ser resolvidos antes da partida, às doze horas. Sua reserva de dólares americanos não conferia, uma das melhores suítes havia sido reservada duas vezes por engano, e o presente de casamento encomendado pelo Comandante Montaigne havia sido entregue no navio errado. O comandante ia ficar furioso. Dessard parou para ouvir o som familiar das quatro poderosas turbinas do navio dando partida. Sentiu o movimento do S.S. Bretagne, à medida que se afastava deslizando do píer e começava a recuar em direção ao canal. Então, mais uma vez, Dessard se concentrou nos seus problemas.

Meia hora depois, Léon, o camareiro-chefe da galeria externa do convés, entrou. Dessard ergueu os olhos com impaciência.