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Estava olhando fixamente para o relógio na parede.

Sua mãe a chamou Josephine, como a avó, nascida em Cracóvia. Um segundo nome teria sido pretensioso para a filha de uma costureira polonesa de Odessa, Texas.

Por razões que a Sra. Czinski não compreendia, o Dr. Wilson insistia em que Josephine fosse trazida de volta ao hospital para ser examinada de seis em seis semanas. E todas as vezes a conclusão era a mesma: ela parecia normal.

Só o tempo diria.

3

No dia do trabalho, a temporada nas Catskills terminou e o Grande Merlin ficou desempregado, e com ele Toby. Ele estava livre para ir embora. Mas para onde? Não tinha casa, não tinha emprego e não tinha dinheiro. A decisão de Toby foi tomada quando uma hóspede lhe ofereceu vinte e cinco dólares para dirigir seu automóvel, levando-a com seus três filhos pequenos das Catskills até Chicago.

Toby partiu sem se despedir do Grande Merlin ou de seus animais fedorentos.

Em 1939, Chicago era uma cidade próspera e aberta. Era uma cidade com um preço, e aqueles que conheciam os caminhos podiam comprar qualquer coisa, desde mulheres a drogas ou políticos. Havia centenas de clubes noturnos que atendiam a todos os gostos. Toby rondou todos eles, do grande e barulhento Chez Paree aos pequenos bares na Rush Street. A resposta era sempre a mesma: ninguém queria contratar um jovem vagabundo como cômico. O tempo estava passando para Toby. Já estava na hora de começar a realizar o sonho de sua mãe.

Estava com quase dezenove anos.

Um dos clubes noturnos onde Toby costumava ir com frequência era o Knee High, onde o espetáculo consistia num grupo cansado de três membros, um cômico acabado de meia-idade e bêbado, e duas dançarinas de strip-tease, Meri e Jeri, anunciadas como as Irmãs Perry, e que eram, por menos provável que fosse, irmãs de verdade. Tinham cerca de vinte anos e eram atraentes de uma maneira vulgar e relaxada. Uma noite Jeri foi até o bar e se sentou ao lado de Toby. Ele sorriu e disse educadamente:

─ Gosto do seu número.

Jeri se virou para olhar para ele e viu um garoto ingênuo, com cara de bebê, demasiado jovem e mal vestido para ser uma presa. Balançou a cabeça com indiferença e começou a se afastar, quando Toby se levantou. Jeri olhou fixamente para o volume revelador em suas calças e então se virou para aquele rosto jovem e inocente.

─ Jesus Cristo ─ disse ela. ─ Isso tudo é você?

Ele sorriu.

─ Só há uma maneira de descobrir.

Às três horas daquela madrugada, Toby estava na cama com as Irmãs Perry.

Tudo havia sido meticulosamente planejado. Uma hora antes do espetáculo, Jeri tinha levado o cômico do clube, um jogador compulsivo, a um apartamento na Diversy Avenue, onde se realizava um jogo de dados. Quando ele viu a animação, passou a língua nos lábios, e disse:

─ Só podemos ficar um minuto.

Trinta minutos depois, quando Jeri escapuliu, o cômico estava sacudindo os dados, gritando como um louco.

─ Um oito, sim, um oito, seu filho da puta! ─ perdido num mundo qualquer de fantasia onde o sucesso, o estrelato e a fortuna dependiam de cada jogada do dado.

No Knee High, Toby estava sentado no bar, todo arrumado e limpo, esperando.

Quando chegou a hora do espetáculo e o cômico ainda não havia aparecido, o proprietário do clube começou a berrar e a praguejar.

─ Aquele miserável está acabado desta vez, estão ouvindo? Nunca mais quero vê-lo no meu clube.

─ Eu não o culpo ─ disse Meri. ─ Mas está com sorte. Tem um novo cômico sentado no bar. Acabou de chegar de Nova York.

─ O quê? Onde?

O proprietário lançou um olhar na direção de Toby.

─ Pelo amor de Deus, onde está a babá? É uma criança!

─ Ele é grande! ─ disse Jeri e ela estava falando sério.

─ Faça uma experiência com ele ─ acrescentou Meri. ─ Que é que pode perder?

─ Os fodidos dos meus fregueses!

Mas encolheu os ombros e se dirigiu para onde Toby estava sentado.

─ Então você é um cômico, hein?

─ Pois é ─ disse Toby de maneira casual. ─ Acabei de fazer uma temporada nas Catskills.

O proprietário o examinou um momento.

─ Que idade você tem?

─ Vinte e dois anos ─ mentiu Toby.

─ Porra nenhuma. Está bem. Vá para lá. E se você entrar pelo cano, não vai viver até os vinte e dois anos.

E o sonho de Toby Temple finalmente se realizara. Estava de pé sob os refletores, enquanto a orquestra tocava uma fanfarra, e a audiência, a sua audiência, estava sentada ali, esperando para descobri-lo, para adorá-lo. Sentiu uma onda de afeto tão violenta que o fez ficar com um nó na garganta. Era como se ele e o público fossem uma coisa só, ligados por alguma corda mágica maravilhosa. Por um instante pensou na mãe e desejou que, onde quer que estivesse, pudesse vê-lo naquele momento. A fanfarra parou. Toby deu início à sua rotina.

─ Boa noite, gente sortuda. Meu nome é Toby Temple. Acho que vocês todos devem saber os seus nomes.

Silêncio.

Ele continuou.

─ Já ouviram falar do novo chefe da Máfia em Chicago? Ele é bicha. De agora em diante, o Beijo da Morte inclui jantar e dança.

Não houve nenhum riso. Estavam olhando fixamente para ele, frios e hostis, e Toby começou a sentir as garras afiadas do medo arranhando seu estômago. Seu corpo de repente ficou banhado em suor. Aquela ligação maravilhosa com o público havia desaparecido.

Ele continuou.

─ Acabei de cumprir um contrato num teatro lá no Maine. O teatro ficava tão longe, no interior da floresta, que o gerente era um urso.

Silêncio. Eles o odiavam.

─ Ninguém me disse que isso aqui era uma convenção de surdos-mudos. Eu me sinto como um programador social do Titanic. Estar aqui é como subir por uma prancha de embarque sabendo que no fim não há nenhum navio.

Começaram a vaiar. Dois minutos depois de Toby ter começado, o proprietário acenou freneticamente para os músicos, que começaram a tocar bem alto, abafando-lhe por completo a voz. Ele ficou ali, com um grande sorriso no rosto, os olhos ardendo, cheios de lágrimas.

Tinha vontade de gritar com eles.

Foram os gritos que acordaram a Sra. Czinski. Eram penetrantes selvagens, sinistros na quietude da noite, e só depois que ela se sentou na cama foi que se deu conta de que era o bebê gritando. Correu para o outro quarto, onde tinha arrumado as coisas da criança. Josephine estava rolando de um lado para o outro, o rostinho azulado por causa das convulsões. No hospital, um interno aplicou um sedativo por via intravenosa no bebê, que caiu num sono tranquilo. O Dr. Wilson, que tinha feito o parto de Josephine, submeteu-a a um exame completo. Não conseguiu achar nada de errado. Mas estava inquieto. Não conseguiu se esquecer do relógio na parede.

4

O vaudeville havia florescido na América de 1881 até a sua morte definitiva, em 1932, quando o Palace Theatre fechou as portas. Fora o campo de treinamento para todos os jovens cômicos ambiciosos, o campo de batalha onde afiavam suas inteligências contra as audiências hostis e zombeteiras. Entretanto, os cômicos que venciam a parada obtinham fama e dinheiro. Eddie Cantor e W. C. Fields, Jolson e Benny, Abbott e Costello, Jessel e Burns e os Irmãos Marx, e dúzias de outros. O vaudeville era um céu, um cheque de pagamento constante, mas com sua morte os cômicos tiveram que se voltar para outros campos. Os grandes nomes eram contratados para espetáculos de rádio e shows individuais, e também se apresentavam nos clubes noturnos importantes por todo o país. Entretanto, para os jovens cômicos que lutavam para se lançar, como Toby, a história era outra. Também se apresentavam em clubes noturnos, mas de um mundo diferente. Era chamado o Circuito dos Banheiros, e o nome era um eufemismo. Consistia em salas imundas por todo o país, onde o grande público pobre e sujo se reunia para se embebedar de cerveja, arrotar para as dançarinas de strip─tease e destruir os cômicos por desporto. Os camarins eram banheiros fedorentos, com cheiro de comida apodrecida, bebida derramada, urina e perfume barato e, sobrepujando tudo, o cheiro rançoso do medo: suor de fracassados. Os banheiros eram tão imundos que as artistas se agachavam sobre as pias dos camarins para urinar. O pagamento variava de uma refeição indigerível a cinco, dez, ou às vezes até quinze dólares por noite, dependendo da reação da platéia.