Выбрать главу

As dores de cabeça ocorriam com frequência e, quando vinham, a pequena Josephine tinha a impressão de que duas mãos gigantescas estavam lhe apertando as têmporas. Tentava não chorar, porque isso aborrecia sua mãe. A Sra. Czinski havia descoberto a religião. Sempre sentira secretamente que, de alguma maneira, ela e o bebê eram responsáveis pela morte do marido. Tinha entrado por acaso numa reunião do Culto de Revivificação, e o pastor gritava como um trovão:

─ Vocês estão todos embebidos em pecado e maldade. O Deus que os segura sobre o abismo do inferno, como um inseto detestável sobre uma fogueira, os abomina. Vocês estão presos por um fio muito tênue, amaldiçoados, e as chamas da Sua ira os consumirá a menos que se arrependam!

A Sra. Czinski se sentiu melhor imediatamente, pois sabia que estava ouvindo a palavra do Senhor.

─ É uma punição de Deus, porque nós matamos seu pai ─ dizia ela a Josephine.

Embora fosse muito pequena para compreender o que aquelas palavras significavam, sabia o que era, para que pudesse dizer à mãe que sentia muito o que acontecera.

5

No início, a guerra foi um pesadelo para Toby Temple.

No exército, ele era um João-ninguém, um número de série, enfiado num uniforme, como milhares de outros, sem rosto, sem nome, anônimo.

Foi mandado para um campo de treinamento básico na Geórgia, e depois embarcara para a Inglaterra, onde sua unidade fora designada para armar um acampamento em Sussex. Toby disse ao sargento que queria ver o comandante-em-chefe Conseguiu chegar até o capitão. O nome do capitão era Sam Winters, um homem moreno, de expressão inteligente, de trinta e poucos anos.

─ Qual é o seu problema, soldado?

─ É o seguinte, capitão ─ começou Toby. ─ Sou um artista, sou um cômico. Era isso que eu fazia quando era civil.

O Capitão Winters sorriu da seriedade dele.

─ O que é exatamente que você faz? ─ perguntou.

─ Um pouquinho de tudo ─ respondeu Toby. ─ Faço imitações, paródias e...

Viu a expressão nos olhos do capitão e terminou sem jeito:

─ Coisas assim.

─ Onde foi que você já trabalhou?

Toby ia começar a falar, mas parou. Não adiantava. O capitão só ficaria impressionado com lugares como Nova York e Hollywood.

─ Nenhum lugar de que o senhor já tenha ouvido falar ─ respondeu Toby, e agora sabia que estava perdendo tempo.

O Capitão Winters disse:

─ Não sou eu que decido, mas vou ver o que posso fazer.

─ Claro ─ disse Toby. ─ Muito obrigado, capitão.

Bateu continência e saiu.

O Capitão Sam Winters ficou sentado à sua escrivaninha pensando em Toby, muito tempo depois de o rapaz ter ido embora. Sam Winters tinha se alistado porque sentia que aquela era uma guerra que tinha que ser feita e tinha que ser vencida. Ao mesmo tempo, ele a odiava pelo que estava fazendo com garotos como Toby Temple. Mas se Temple realmente tivesse talento, apareceria mais cedo ou mais tarde, pois o talento era como uma florzinha frágil crescendo sob a rocha sólida. No fim, nada podia impedi-la de irromper através da rocha e florir. Sam Winters tinha abandonado um bom emprego de produtor na indústria cinematográfica, em Hollywood, para se alistar no Exército. Já tinha produzido vários filmes de sucesso para os Pan-Pacific Studios e já vira dúzias de jovens esperançosos como Toby Temple ir e vir. O mínimo que eles mereciam era uma chance. Mais tarde naquele mesmo dia, falou com o Coronel Beech sobre Toby.

─ Acho que devíamos deixar os Serviços Especiais testá-lo ─ disse o Capitão Winters. ─ Tenho a impressão de que ele é bom. E Deus sabe que os rapazes vão precisar de toda a diversão que puderem ter.

O Coronel Beech olhou para o Capitão Winters e disse num tom frio:

─ Certo, capitão. Mande-me um memorando a respeito disso.

Ficou observando enquanto o Capitão Winters saía. O Coronel Beech era um soldado profissional, um homem de West Point. Desprezava todos os civis, e para ele o Capitão Winters era um civil. Vestir um uniforme e pôr os galões de capitão não tornava um homem um soldado. Quando o Coronel Beech recebeu o memorando do Capitão Winters a respeito de Toby Temple, apenas passou os olhos nele, garatujou com selvageria: "PEDIDO NEGADO", e rubricou.

E sentiu-se melhor.

O que fazia mais falta a Toby era uma plateia. Precisava exercitar seu sentido de tempo, suas habilidades. Contava piadas e fazia imitações e demonstrações em todas as oportunidades. Não importava que o público fosse GIs montando guarda com ele num campo solitário, um ônibus cheio de soldados a caminho de uma cidade ou um lavador de pratos em KP. Toby tinha que fazê-los rir, ganhar o aplauso deles.

Um dia o Capitão Winters assistiu a um de seus números no salão de recreação. Depois que acabou, aproximou-se de Toby e disse:

─ Sinto muito que o seu pedido de transferência não tenha sido aprovado, Temple. Acho que você tem talento. Quando a guerra acabar, se for a Hollywood, vá me procurar.

Sorriu e acrescentou:

─ Presumindo-se que eu ainda tenha um emprego por lá.

Na semana seguinte o batalhão de Toby foi mandado para a frente de combate.

Nos anos posteriores, quando Toby rememorava a guerra, o que ele lembrava não eram as batalhas. Em Saint-Lô, tinha sido um sucesso fazendo um número de mímica com um disco de Bing Crosby. Em Aachen, tinha entrado às escondidas no hospital e contado piadas durante horas para os feridos, antes que as enfermeiras o pusessem para fora. Lembrava-se com satisfação que um pracinha tinha rido tanto que arrebentou todos os pontos. Fora em Metz que tivera um fracasso, mas Toby achava que aquilo só acontecera porque o público estava tenso e nervoso com os aviões nazistas voando lá em cima.

Os combates de que Toby participou foram meros incidentes. Recebeu uma menção de bravura por ter participado na captura de um posto de comando alemão. Na realidade não tivera nenhuma idéia do que estava acontecendo. Estivera fazendo o papel de John Wayne, e se deixara levar de tal maneira que tudo tinha acabado antes que ele tivesse tido tempo de sentir medo.

Para Toby, fazer rir é que era o importante. Em Cherbourg, visitou um bordel com dois amigos, e enquanto eles estavam lá em cima, Toby ficou no salão apresentando um número para a caftina e duas de suas garotas. Quando acabou, a caftina o mandou subir, por conta da casa.

Essa foi a guerra de Toby. Considerando tudo, não foi uma guerra ruim, e o tempo passou muito depressa. Quando a guerra acabou, em 1945, Toby já estava com quase vinte e cinco anos. Na aparência exterior, não envelhecera nem um dia. Tinha o mesmo rosto doce, olhos azuis sedutores e aquela expressão infeliz de inocência.

Todo mundo estava falando em ir para casa. Uma noiva esperando em Kansas City, pai e mãe em Bayonne, um negócio em St. Louis. Não havia nada esperando por Toby. Exceto a fama.

Decidiu ir para Hollywood. Já estava na hora de Deus cumprir Sua promessa.

─ Você conhece Deus? Já viu o rosto de Jesus? Eu O vi irmãos e irmãs, ouvi a Sua voz, mas Ele só fala com aqueles que se ajoelham diante Dele e confessam os seus pecados. Deus odeia aqueles que não se arrependem. O arco da ira de Deus está vergado e a flecha chamejante da Sua fúria cheia de justiça está apontada para o coração maligno de vocês, e a qualquer momento Ele a lançará e a flecha da Sua retaliação golpeará seus corações! Olhem para Ele agora, antes que seja tarde demais!