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– E uma vez que é segunda-feira, rapazes, por que não começamos bem a semana fazendo primeiro a barba do coitadinho do Sr. Bromden esta manhã, antes do corre-corre de depois do café à barbearia, para vermos se podemos evitar um pouco do… ah!… tumulto que ele costuma criar, não acham?

Antes que qualquer pessoa se pudesse virar para procurar-me, enfiei-me depressa no armário das vassouras, fechei a porta com um puxão e, no escuro, prendi a respiração. Fazer a barba antes de tomar o café é a pior hora. Quando a gente tem alguma coisa na barriga, fica-se mais forte e bem mais desperto, e os miseráveis que trabalham para a Liga não têm tanta possibilidade de enfiar um dos aparelhos deles dentro da gente, em vez de um barbeador elétrico. Mas quando barbeiam a gente antes do café, como ela me obriga a fazer certas manhãs – seis e meia da manhã, numa sala toda de paredes e bacias brancas, e longas lâmpadas de luz fluorescente no teto para assegurar que não haja nenhuma sombra, e rostos por toda parte encurralando a gente, gritando atrás dos espelhos – então, qual é a chance que se tem contra uma das máquinas deles?

Eu me escondo no armário das vassouras e escuto, meu coração batendo na escuridão, e tento impedir-me de ficar com medo, tento dirigir meus pensamentos para fora dali, para algum outro lugar – tento pensar no passado e recordar coisas sobre o vilarejo e o grande rio Columbia, pensar sobre, ah!, uma vez quando papai e eu estávamos caçando aves entre cedros, perto de The Dalles… Mas, como sempre acontece quando tento dirigir meus pensamentos para o passado e ali me esconder, o medo muito próximo se infiltra através da memória. Posso sentir aquele crioulo menor de todos lá fora aproximando-se pelo corredor acima, farejando em busca do meu medo. Abre as narinas como funis negros, a cabeça desproporcional virando-se para um lado e para o outro enquanto ele fareja, e suga o medo vindo de toda a ala. Agora ele me está farejando, posso ouvi-lo roncar. Não sabe onde estou escondido, mas está farejando e procurando. Tento ficar quieto…

(Papai me diz para ficar quieto, diz que o cachorro está pegando o rastro de uma ave em algum lugar bem perto. Tomamos um perdigueiro emprestado de um homem em The Dalles. Todos os cachorros do vilarejo são vira-latas imprestáveis, é o que papai diz, comedores de tripas de peixe e sem classe ne-nhu-ma; esse cachorro aqui, ele tem ichtinto! Eu nada digo, mas já vejo a ave lá em cima numa moita, encolhida num bolo de penas cinzentas. O cachorro correndo em círculos, embaixo, rastro demais por todo lado para que ele aponte com segurança. O pássaro a salvo, enquanto se mantiver quieto. Ele se está agüentando bastante bem, mas o cachorro continua farejando, em círculos, cada vez mais perto. Então o pássaro não resiste e se lança, soltando penas, para fora da moita para encontrar o tiro da arma de papai.)

O crioulo menor e um dos maiores me apanham antes que eu consiga dar 10 passos fora da armário das vassouras, e me arrastam de volta para a barbearia. Não luto nem faço qualquer ruído. Se você gritar, é pior para você. Eu seguro os gritos. Seguro até que eles cheguem às minhas têmporas. Não tenho certeza se é uma daquelas outras máquinas e não um barbeador até que chega às minhas têmporas; então não consigo segurar. Não é mais uma questão de força de vontade quando eles chegam às minhas têmporas. É um… botão que, apertado, diz "reide aéreo, reide aéreo", me liga e berro tão alto que é como se não houvesse nenhum som, todo mundo gritando comigo, mãos tapando os ouvidos por trás de uma parede de vidro, rostos se mexendo por toda a volta, em conversas, mas nenhum som saindo das bocas. O meu som absorve todos os outros. Eles ligam a máquina de neblina outra vez e está nevando frio e branco por cima de todo o meu corpo, como leite desnatado, tão espesso que eu poderia até mé esconder ali dentro se eles não me estivessem segurando. Não consigo ver além de um palmo a minha frente, através da neblina, e a única coisa que consigo ouvir acima do grito que estou dando é a Chefona a berrar e avançar pelo corredor acima, enquanto atira pacientes para fora do seu caminho com aquela bolsa de vime. Ouço-a aproximar-se, mas não consigo calar-me. Grito até que ela chegue ali. Eles me seguram enquanto ela enfia a bolsa de vime e tudo pela minha boca adentro e empurra para baixo com um cabo de vassoura.

(Um cão de caça late acuado lá fora na neblina, correndo assustado e perdido porque não pode ver. Não há rastros no chão, exceto os que ele está deixando, e ele fareja em todas as direções com o seu focinho frio, que parece uma borracha, e não consegue acompanhar nenhum outro rastro a não ser o de seu próprio medo, que o vai penetrando, queimando por dentro como vapor.) Vai queimar-me exatamente desse jeito, finalmente contando tudo isto, sobre o hospital, e ela, e os caras - e sobre McMurphy. Estive calado durante tanto tempo, que agora isso vai jorrar para fora de mim como águas de uma enchente e se você pensa que o cara que está contando isto está exagerando e delirando, meu Deus; você acha que isto é horrível demais para ter acontecido realmente, isto é pavoroso demais para ser verdade! Mas, por favor. Ainda é difícil para mim manter a mente clara quando penso nisso. Mas é a verdade, mesmo que não tenha acontecido.

* * *

Quando a neblina se dissipa, permitindo que eu veja novamente, estou sentado na enfermaria onde passamos o dia. Eles não me levaram para a Sala do Choque desta vez. Lembro-me de que me tiraram da barbearia e me trancaram no isolamento. Não me lembro se tomei café. Provavelmente não. Posso trazer de volta à memória algumas manhãs que passei trancado no isolamento em que os crioulos ficavam trazendo porções repetidas de tudo – supostamente eram para mim, mas, em vez disso, eles comiam – até que os três tomavam café, enquanto eu continuava deitado ali naquele colchão fedendo a mijo, observando-os comerem ovos com torradas. Posso sentir o cheiro da gordura e ouvi-los a mastigar as torradas. Em outras manhãs, eles me trazem mingau frio e me obrigam a comê-lo sem ao menos ter posto sal.

Desta manhã simplesmente não me lembro. Eles me fizeram engolir um bocado dessas coisas que chamam de pílulas, de forma que nada sei até que ouvi a porta da enfermaria se abrir. Aquele abrir daquela porta significa que são pelo menos oito horas, significa que se passou talvez uma hora e meia durante a qual estive apagado naquela sala de isolamento, quando os técnicos poderiam ter entrado e instalado qualquer coisa que a Chefona tivesse ordenado e eu não teria a mais remota idéia do que fosse.

Ouço barulho na porta da enfermaria, bem lá no fim do corredor, fora do meu raio de visão. Aquela porta começa a se abrir às oito horas e se abre e fecha um milhão de vezes por dia, crac, clic. Todas as manhãs nós nos sentamos enfileirados de cada lado da enfermaria onde passamos o dia, armando quebra-cabeças depois do café, esperando ouvir uma chave girar na fechadura, e aguardando para ver o que é que está entrando. Não há muito mais que fazer. Às vezes, na porta, surge um jovem residente que chegou cedo de forma a poder ver como é que somos. Antes da Medicação. A M. é como eles dizem. Outras vezes, é uma esposa em visita, de saltos altos, com a bolsa apertada sobre a barriga. Ou então é uma ninhada de professoras primárias levadas em excursão por aquele idiota das Relações-Públicas, que está sempre batendo palmas com as mãos úmidas e dizendo o quanto ele se sente feliz porque os hospitais para doentes mentais eliminaram toda a crueldade ultrapassada: "Que atmosfera festiva, não acham?" Ele se alvoroça, batendo palmas, em volta das professoras que se reúnem num grupo compacto por medida de segurança. "Oh, quando eu penso em antigamente, na imundície, na comida ruim, e mesmo, sim, na brutalidade, oh, só então percebo, senhoras, que já percorremos um longo caminho vitorioso na nossa campanha!" Quem quer que entre pela porta é geralmente alguém desapontador, mas há sempre uma oportunidade de que seja diferente e, quando uma chave gira na fechadura, todas as cabeças se levantam, como se estivessem presas por cordéis.